O Primado e os Padres dos Primeiros Séculos

 

O Primado do papa é uma invenção do Concílio Vaticano

 

 

Se o leitor abrir o II volume de "Teologia Dogmática" (Ed. Paulinas) de B. Bartmann, à página 482, ss, e começar a ler, acabará tendo a impressão de que nos primeiros cinco séculos do cristianismo todos os escritores eclesiásticos (que geralmente eram bispos, mas que Teologia chama de padres) conhecem,  , aprovam e confirmam o Primado do bispo de Roma, isto é, seu poder eclesiástico sobre os demais bispos da Igreja universal. É a teoria católica.

 

Mas infelizmente é uma grande falsidade, pois o único "puxa-saco" da época (já que a sua Igreja dependia do patriarcado de Roma) é Santo Irineu, bispo de Lyon que ousou escrever:

 

"Examinemos somente a Igreja maior, mais antiga e mais conhecida, fundada e estabelecida em Roma pelos apóstolos Pedro e Paulo, e veremos que a tradição que ela recebeu dos apóstolos e a fé que pregou aos homens chegaram até nós por sucessão dos bispos. (...) Por isso devem concordar todos com esta Igreja por causa da sua superioridade dominante."

 

Ora, Santo Irineu é do II século (130-208): pelo menos 150 anos separam-no do último apóstolo, João, e o que ele visava não era o "Primado" e sim esmagar as seitas cristãs que ele chamava de heréticas porque não concordavam com as suas idéias, e com as idéias do bispo de Roma, a cidade capital do império.

 

No seu entender, a Igreja estabelecida na capital do império devia ser obedecida e seguida em tudo. Com isto aparece claro que nas suas idéias não se trata de Primado do bispo romano, e sim de primado de uma cidade!

 

Sem contar as falsidades históricas... Para ele, Pedro e Paulo eram dois "irmãos no Senhor"... Nunca veio à cabeça de Irineu que os dois apóstolos tinham idéias teológicas diferentes: um era em favor da circuncisão; o outro era contra a circuncisão...

 

Irineu nunca supôs que Pedro (acostumado a seguir Paulo para desfazer ou corrigir a sua pregação individual e às vezes fantasiosa) tivesse ido a Roma para retificar, se necessário, a pregação de Paulo (se é que Pedro esteve em Roma... Do que eu duvido...).

 

B. Bartmann, à página 483-84, cita: Cipriano, Tertuliano, Ambrósio e Agostinho. Ora, isto é falso: Tertuliano no seu "De Pudicitia" (21) nega ao bispo de Roma qualquer poder especial. Com efeito ele escreve: "Mas se tu, Calisto, afirmas que o poder de ligar e desligar está também contigo e com aquela Igreja que está ligada a Pedro, não vês que tu desvirtuas aquele direito que foi concedido somente a Pedro pessoalmente?"

 

Quanto a São Cipriano, o mesmo B. Bartmann escreve à página 484: "devemos todavia reconhecer que São Cipriano não teve uma idéia exata do Primado". Quanto ao bispo Santo Ambrósio de Milão (cfr. Migne; "P.L."; 14; 1082) ele não conhece, nem fala em Primado.

 

Quanto a Sto. Agostinho, ele escreveu, por exemplo, na Epístola 43, 53; e outras, que na Igreja de Roma sempre existiu o "Principatus" da Sé apostólica. Mas o que significava, naquelas épocas, a palavra "Principatus"?

 

O Bartmann traduz "Principatus" por "Primado", o que é errado! "Principatus" significa: comando; autoridade, não Primado no sentido teológico atual, de poder universal.

 

De resto, na época de Sto. Agostinho podia-se dizer o mesmo das igrejas patriarcais de Antioquia, Jerusalém e Alexandria. Emesmo que Agostinho acreditasse no Primado, jamais escreveu uma palavra com referência à necessidade de estar em comunhão com o bispo de Roma!

 

Aliás, Sto. Agostinho louva o bispo de Roma. Pelágio I "por ter-se lembrado da lição divina que coloca nas Sés apostólicas (olha o plural!) o fundamento da Igreja e ter ensinado serem cismáticos os que se afastam da doutrina e da comunhão das Sés apostólicas" (Cfr. G. D. Mansi, arcebispo de Lucca, teólogo e historiador; 1692-1769; autor de "Sacrorum Conciliorum Nova et amplíssima collectio"; em 31 volumes; aqui: V. IX; pág. 716).

 

Também esse bispo romano Pelágio I (555-560) ignora totalmente que, enquanto bispo, ele tenha algum privilégio especial, como seria o Primado. Aliás, o que ele afirma é que nos casos de dúvidas quanto à fé, se consulte as igrejas patriarcais que podem ser Roma, Alexandria, Antioquia ou Jerusalém. (G. D. Mansi; op. cit.; pág. 732).

 

Com efeito, ele sabia que tão logo um bispo tomava posse da sua Igreja, enviava cartas aos demais bispos, onde ele declarava qual era a sua fé. Note-se que o bispo de Roma também mandava suas cartas, mas não para que se reconhecesse sua autoridade universal, mas para fazer conhecer aos demais bispos qual era a sua fé. Essas cartas eram o laço que unia todas as igrejas e o alicerce da doutrina católica.

 

E finalmente B. Bartmann, à página 484, quer provar que os bispos gregos conheciam e aceitavam o Primado do bispo de

Roma; e cita Gregório Nisseno, Gregório Nazianzeno, Eusébio de Cesaréia e João Crisóstomo.

 

Bem, o que eu sei é que esses santos bispos orientais falam sim do Primado do apóstolo Pedro, mas não falam do Primado de seus sucessores. Isso é indiscutível! E há autores como J.J.I. von Dóllinger (1799-1890), teólogo católico e historiador, considerado o maior erudito de seu tempo, autor de muitos livros de Teologia, que em "Der Papst und das Kon-zie" (1869) escreve:

 

"Tertuliano, Cipriano, Lactâncio ignoram totalmente que o pontífice tenha quaisquer direitos peculiares". E também: "Nos escritos dos bispos da Igreja grega, Euzébio, Atanásio, Basílio, os dois Gregorios e Epifânio, não encontramos nenhuma palavra que mencione algum privilégio dos bispos romanos. Crisóstomo também não diz nada e nem os dois Cirilos".

 

Um pouco mais adiante o mesmo J.J.I. von Dóllinger escreve: "Até hoje não possuímos escritos ou informações sobre a graduação da hierarquia eclesiástica dos primeiros séculos; aliás, nunca se encontra mencionada a dignidade papal como sendo um grau especial na hierarquia eclesiástica ou como sendo uma instituição específica."

 

"Dionísio Acropagito, no fim do V século, escreveu um livro sobre a hierarquia eclesiástica composta de bispos, sacerdote e diáconos. Em 631 o bispo Isidoro de Sivília escrevendo sobre as funções eclesiásticas, diz que na Igreja existem: patriarcas, arcebispos, metropolitas e bispos; só."

 

"Em 789 o padre espanhol Beatus descreve a hierarquia eclesiástica do mesmo modo que Isidoro de Sivília e acrescenta que a suprema dignidade na Igreja, é a dos patriarcas (plural!) entre os quais há também o bispo de Roma".

 

Concluímos, portanto, que mesmo supondo que Sto. Irineu tenha afirmado a tese do Primado, é evidente que é uma idéia sua, pessoal: falta o consenso universal. O consenso universal é tão importante que Pio XII proclamou o dogma da assunção corporal de Maria Virgem ao Céu, não baseando-se nas Escrituras, mas baseando-se no consenso universal dos cristãos...

 

Mas quanto ao consenso universal com referência ao Primado que os bispos de Roma tanto gostariam de ter, não há consenso universal na Igreja Cristã.

 

Ainda hoje as igrejas auto-céfalas não aceitam. E este é certamente o grande empecilho à ideologia do poder eclesiástico!

 

 

Autor: Carlo Bússola, professor aposentado de Filosofia da UFES

 

Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.

 

 

Nota e Comentários do IASD Em Foco

 

 

Temos aqui, na postagem destes excelentes artigos, enfatizado reiteradamente a erudição, imparcialidade e honestidade intelectual do Dr. Carlo Bússola. Tudo o que ele escreve aqui em termos de História e a “ideologia de poder dos bispos” é fidedigno...

 

Analisem com “espírito desarmado” e sinceridade as seguintes colocações do Dr. Carlo Bússola:

 

“[...] por 870 anos nenhum concílio ecumênico foi convocado pelo bispo de Roma. Os grandes concílios e sínodos foram sempre convocados pelos imperadores sem perguntar nada ao bispo de Roma” (A História dos Papas, artigo 30).

 

“[...] pelo prazo de mil anos nenhum bispo de Roma dirigiu decisões sobre matéria de fé e costumes à Igreja Universal” (A História dos Papas, artigo 30).

 

Foi somente no Concilio de Éfeso (431) que os delegados romanos declararam que "Pedro, a quem Cristo havia dado o poder de atar e desatar, continua a viver e julgar em seus sucessores" (Mansi; "Concilia Oecumenica"; IV; pág. 366). Mas ninguém lhes deu importância (A História dos Papas, artigo 30).

 

O bispo romano Gregório Magno (590-604) rejeitou com horror o título de "bispo ecumênico" (universal) entendido como plenitude da autoridade eclesiástica. Ele chegou a chamar este título de "criminoso e blasfemo a Deus” (A História dos Papas, artigo 30).

 

Por mais que esta verdade doa aos católicos sinceros – e eles existem aos milhões – isso não se aplica ao Cristianismo como um todo, mas, sim, à Igreja Católica Apostólica Romana. Este poder que, como estava profetizado centenas de anos antes, nas suas duas fases (imperial e papal) substituiria a Verdade da Palavra de Deus pelas mentiras das tradições humanas.  

 

Vejamos, de forma sucinta, o que diz a Bíblia sobre isso:

 

“De um dos chifres saiu um chifre pequeno e se tornou muito forte para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa. Cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou. Sim, engrandeceu-se até ao príncipe do exército; dele tirou o sacrifício diário e o lugar do seu santuário foi deitado abaixo. O exército lhe foi entregue, com o sacrifício diário, por causa das transgressões; e deitou por terra a verdade; e o que fez prosperou” (Daniel 8:9-12).

 

Foi Roma, repetimos e provamos bíblica e profeticamente, que nas suas duas fases – imperial e papal – atacou todo o conjunto de verdades bíblicas e o jogou por terra. É o quarto animal de Daniel 7 (ler: Daniel 7:7) exatamente o quarto Império Mundial e, das suas cinzas, surge um poder (Roma papal) simbolizado pelo “chifre pequeno” ou “ponta pequena” (ler: Daniel 7:8, Apocalipse 13:1-10).

 

Nosso Senhor Jesus e profetas e escritores bíblicos já haviam advertido sobre o gravíssimo perigo de substituir a Palavra de Deus pelas tradições humanas:

 

“Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós o Mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? [...] E, assim, invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mateus 15:3 e 6).

 

“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mateus 15:8-9). 

 

“E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente [com astúcia, falsificações da verdade, embustes, enganos de toda sorte] rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Marcos 7:7-9).

 

“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia [os padres dão show de filosofia: Tenho amigos que estudaram em seminários católicos e, hoje, são padres. Com eles é assim: Filosofia 10 X Bíblia 0] e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Colossenses 2:8). 

 

Quando entram em campo questões religiosas, espirituais, questões de salvação: das quais dependem o nosso destino terno, é bom lembrar sempre que:

 

- O importante não é o que o presbítero diz!

 

- O importante não é o que o missionário diz!

 

- O importante não é o que o evangelista diz!

 

- O importante não é o que o bispo diz!

 

- O importante não é o que o obreiro diz!

 

- O importante não é o que o “apóstolo” diz!

 

- O importante não é o que o padre diz!

 

- O importante não é o que o pastor diz!*

 

- O importante não é o que o teólogo diz!

 

O importante é o que Deus diz!!! O importante, e nisto está a nossa segurança eterna, é o que a Palavra de Deus diz!!! E ela nos ordena:

 

“Retirai-vos dela, povo Meu, para não serdes cúmplices em seus pecados e para não participardes dos seus flagelos” (Apocalipse 18:4).

 

Ela nos indica para onde devemos ir e que caminho devemos seguir, em meio aos enganos finais dos últimos dias:

 

“Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os Mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14:12).

 

 * Digo isso na condição acadêmica e espiritual de quem cursou 3 faculdades (reconhecidas pelo MEC, incluindo Teologia) e uma Pós-Graduação em Ciências da Religião. Nesse caso não importa títulos ou formação acadêmica: o que importa é o conhecimento da Palavra de Deus – deixar Deus falar e o Espírito Santo agir...

 

 

Para Quem Quiser Saber Mais Sobre o Assunto:

 

http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=145

 

http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=138

 

http://www.iasdemfoco.net/mat/emdefesa/abrejanela.asp?Id=67

 

http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=137

 

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http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=89

 

http://www.iasdemfoco.net/mat/querosaber/abrejanela.asp?Id=87

 

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