A Verdadeira Grandeza do Reino

 

 

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mateus 5:3).

 

 

POBRES DE ESPIRITO - Cristo retoma a palavra pobre com o matiz moral que já se percebe em Sofonias 2: 3 explicitado aqui pela expressão em espírito, o que não ocorre em Lucas 6: 20. Despojados e oprimidos, os pobres ou os humildes estão disponíveis para o Reino dos Céus, eis o tema das Bem-aventuranças cfe. Lucas 4: 18; 7: 22; Mateus 11: 5; Lucas 14: 13; Tiago 2: 5. A pobreza sugere a mesma idéia que a infância espiritual, necessária para entrar no Reino Mateus 18 1; Marcos 9: 33; Lucas 9: 46; Mateus 19: 13; 11: 25, o mistério revelado aos pequeninos, népioi Lucas 12: 32; I Coríntios 1: 26. Aos pobres, ptochói, corresponde ainda aos humildes tapeinói Lucas 1: 48, 52; 14: 11; 18: 14; Mateus 23: 12; 18: 4, os últimos em oposição aos primeiros Marcos 9: 35, os pequenos em oposição aos grandes Lucas 9: 48; Mateus 19: 30; 20: 26; Lucas 17: 10. Embora a fórmula de Mateus 5: 3, enfatize o espírito da pobreza, tanto no rico como no pobre, o que Cristo quer salientar em geral é uma pobreza efetiva, particularmente para os seus discípulos Marcos 6: 19; Lucas 12: 33; Mateus 6: 25; 4: 18; Lucas 5: 1; 9: 9; 19: 21 e 27; Marcos 10: 28; Atos 2: 44; 4: 32. Ele mesmo dá o exemplo de pobreza Lucas 2: 7; Mateus 8: 10 e de humildade Mateus 11: 29; 20: 28; Mateus 21: 5; João 13: 12; II Corintios 8: 9; Filipenses 2: 7. Identifica-se com os pequenos e com os infelizes Mateus 25: 45; 18: 5[[1]].

 

         Parece uma maneira surpreendente. Reconhecem sua pobreza espiritual, e sentem necessidade de redenção. O evangelho deve ser pregado ao pobre. Não ao espiritualmente orgulhoso, o que pretende ser rico e de nada necessita, é Ele revelado, mas aos humildes e contritos.

 

         O coração orgulhoso esforça-se pôr alcançar a salvação; mas tanto o nosso título ao Céu, como nossa idoneidade para ele, encontram-se na justiça de Cristo. O Senhor nada pode fazer para a restauração do homem enquanto ele, convicto de sua própria fraqueza e despido de toda presunção, não se entrega a guia divina, Pode então receber o dom que Deus está à espera de conceder. Coisa alguma é recusada à alma que sente a própria necessidade. Ela tem ilimitado acesso Àquele em quem habita toda a plenitude. Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito, e também com o contrito e abatido de espírito para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos. Isaías 57: 15.

 

Grego: ptochós, palavra que se refere à pobreza extrema, à miséria. Aqui ptochós assinala aos que sentem uma verdadeira miséria espiritual e sentem agudamente sua necessidade das coisas que o reino do céu tem para oferecer-lhes Atos 3: 6; ver comentário Isaias 55: 1. O que não sente sua necessidade espiritual, o que se crê rico, que se tem enriquecido e que de nenhuma coisa tem necessidade, à vista do céu é desventurado, miserável, pobre Apocalipse 3: 17. Só os pobres de espírito entrarão no reino da graça divina. Os demais não almejam as riquezas do céu e se negam a aceitar suas bênçãos [[2]].

 

Pobre. Comentário Marcos 12: 42. Grego: ptochós, mendigo ou indigente. Lucas usa penichrós, uma forma poética mais recente de pénés, que significa um que vive com o indispensável e que tem que trabalhar em cada dia a fim de ter algo que comer ao dia seguinte Lucas 21: 2. Pénés se deriva do verbo pénomai: trabalhar para ganhar a vida. Talvez Jesus queria que se destacasse o espírito desta viúva em nítido contraste com a atitude dos fariseus para com as viúvas. A pobreza desta viúva pode ter sido, em parte, da avareza de alguns dos escribas e fariseus presentes nesta ocasião Mateus 23: 14. Disse Cristo que eles devoram as casas das viúvas, Marcos 12: 40. Mas aqui estava uma viúva que, com seu coração transbordante de amor a Deus, jogou tudo o que tinha, todo seu sustento, verso 44. Que contraste! [[3]].

 

Comentário Lucas 4: 18. Os pobres. Os pobres costumavam estar na graça dos inescrupulosos servidores públicos, comerciantes e vizinhos. Por outra parte, supunha-se geralmente que o sofrimento por ser pobre se devia à maldição de Deus, que a desgraça do pobre era por sua própria culpa. Eram poucos os que simpatizavam com a triste situação do pobre. O supremo amor de Jesus pelos pobres foi uma das grandes evidências de que era o Messias, e quando João sofria no cárcere, Jesus lhe fez notar este fato Mateus 11: 5. Os que padecem escassez dos bens deste mundo, muitas vezes estão conscientes de suas necessidades e de sua dependência de Deus, e portanto freqüentemente são susceptíveis à pregação do Evangelho. A Boa Nova de Jesus significa alívio para os pobres, luz para os ignorantes, cura para os doentes e liberdade para os escravos do pecado. 

 

O povo cria que todo aquele que se interessasse em aliviar as necessidades do pobre, era especialmente justo; e o dar esmolas chegou a ser quase sinônimo de ser justo Atos 10: 2 a 4. Mas muitas vezes sucedia que se davam esmolas não por simpatia nem inclinação a ajudar os pobres, mas pelo desejo de ganhar méritos Mateus 6: 1 a 4; João 12: 5. No entanto, a preocupação cordial e genuína pelos sentimentos e as necessidades de nossos próximos é uma das melhores evidências da religião pura Tiago 1: 27, de conversão sincera I João 3: 10 e 14, de amor a Deus I João 3: 17 a 19; 4: 21 e de ser apto para entrar no reino dos céus Mateus 25: 34 a 46

 

Jesus estava pensando nos pobres de espírito Mateus 5: 3, os que tinham necessidades espirituais e não materiais. Cristo prometeu os recursos infinitos do reino dos céus aos pobres em espírito, aos que sentem sua necessidade espiritual. Há quem só sentem a necessidade do que este mundo pode oferecer; e quando se lhes prega o Evangelho deve acordar-se neles seu interesse pelas coisas espirituais Apocalipse 3: 17 e 18. Os ricos em fé são aqueles que ouvem e aceitam a mensagem evangélica Mateus 7: 24, e serão herdeiros do reino. Tiago 2: 5 [[4]].

 

Comentário de Lucas 6: 20. Vocês os pobresLucas parece dar-lhe às bem-aventuranças uma aplicação mais literal ou material do que Mateus. Esta interpretação literal se faz ainda mais evidente nos ais que registra Lucas 6: 24. No entanto, este relato breve e literal das bem-aventuranças deveria ler-se à luz da exposição mais completa e detalhada do Sermão do Monte tal como o registra Mateus. O agudo contraste entre a pobreza, a fome e a perseguição que se sofrem agora e a bem-aventurança futura verso 21, a primeira vista poderia parecer que lhe dá um enfoque materialista às palavras de Cristo. Mas dentro do contexto de todo o Sermão do Monte, é claro que não é assim. Cristo singelamente faz notar o contraste entre a situação atual de quem procuram o reino e sua condição depois de entrar no reino [[5]].

 

         Não há nada que ofenda tanto a Deus, e que seja tão perigoso para a alma humana, como o orgulho e a suficiência própria, de todos os pecados é o mais desesperador, e o mais incurável [[6]].

 

         Os humildes de espírito não são os pobres de espírito, como pode sugerir uma infeliz tradução. Eles são sim os que reconhecem de coração ser pobres no sentido de não poderem realizar nenhum bem sem a assistência divina, dependência, e não tem nenhum poder em si mesmos que os ajude a fazer o que Deus requer deles. O reino dos céus a estes pertence, pois deste reino os orgulhosos por sua auto-suficiência são inevitavelmente excluídos [[7]].

 

         Parece uma maneira surpreendente de começar a falar acerca da felicidade ao dizer: Benditos os pobres de espírito! Há dois enfoques para se chegar ao sentido da palavra pobre. Como aparece nas Bem aventuranças no grego, a palavra que se usa para pobre é ptochós, refere-se à palavra Pênés que descreve uma pessoa que tem que trabalhar para ganhar a vida; definiam os gregos como a palavra que descreve um homem como autodiákonos, que quer dizer o homem que atende suas próprias necessidades com suas próprias mãos; Pênés descreve o trabalhador, que não tem nada de supérfluo, que não é rico e nem tão pouco indigente. Porém como temos visto, não é pênés a palavra que se usa para esta bem-aventurança, mas ptochós, que descreve a pobreza absoluta. Está conectada com a raiz ptôssein, que quer dizer encolher, acovardar, a pobreza que golpeia até nos colocar de joelhos. Pênés descreve o homem que não tem nada de supérfluo; ptochós descreve o homem que não tem absolutamente nada. Isto torna esta bem-aventurança mais surpreendente. Não quer dizer: Bendito o homem que está na pobreza absoluta, bendito o indigente.

 

         Como vimos anteriormente às bem-aventuranças não foram ditas no grego mas no aramaico. Os judeus tinham uma maneira especial ao usar a palavra pobre. No hebraico a palavra é ‘aní o ebyôn, estas palavras foram desenvolvidas em quatro etapas no hebraico alterando o seu significado.

1.    Iniciou significando simplesmente pobre.

2.   Passou a significar, porque é pobre, não possui influência, poder ou prestígio.

3.   Passou a significar, por não ter influência, portanto é oprimido pelos homens.

4.   Por último passou a descrever o homem que por não ter nenhum recurso terreno, coloca toda sua confiança em Deus.

 

Assim era que no hebraico a palavra pobre se usava para descrever a pessoa humilde e indigente que colocava toda sua confiança em Deus. Assim que o salmista escreve O pobre clamou e o Senhor ouviu, e livrou de todos os temores. Salmo 34: 6; A esperança do pobre não perecerá perpetuamente. Salmo 9: 18; Deus livra os pobres. Salmo 68: 10; Defenderá a causa dos pobres do povo. Salmo 72: 4; Defenderá a causa do pobre e faz multiplicar como rebanho de ovelhas. Salmo 107: 41; De pão fartará os pobres. Salmo 132: 15. Em todos os versos mencionados o pobre é humilde, uma pessoa indefesa que colocou sua confiança em Deus.

 

Agora analisemos o grego e o aramaico e juntemos os dois. Ptochós descreve o homem totalmente indigente, que não tem absolutamente nada;‘aní o ebyôn descreve o pobre, humilde e indefeso que põe toda a confiança em Deus, portanto esta Bem aventurança quer dizer: Bendito é a pessoa que é consciente de sua total incapacidade, e que põe toda sua confiança em Deus.Se a pessoa é consciente de sua total incapacidade e coloca sua confiança em Deus, entrará em sua vida duas coisas que são muito preciosas:

1.    Estará totalmente desligado das coisas.

2.   Dependerá totalmente de Deus.

 

Ele saberá que só de Deus poderá vir ajuda, esperança e força. A pessoa pobre de espírito se dá conta que as coisas não querem dizer nada, e Deus quer dizer tudo.

 

Devemos ser cuidadosos em pensar que esta bem aventurança considera uma coisa boa a miséria material. A pobreza não é boa. Jesus não estava chamando de bem aventurados os que não tem o que comer, e a saúde debilitada, por que tudo está contra.Esta classe de pobreza é um mal que o Evangelho tenta eliminar. Tão pouco ser pobre de espírito é uma apologia para os que não tem caráter. A pobreza de espírito bendita é quando a pessoa se dá conta de sua absoluta falta de recursos para enfrentar a vida, e encontra ajuda e força somente em Deus.

 

Jesus diz que tal pobreza herdará o Reino dos Céus. Porque é assim. A oração do Senhor diz: Venha ao teu Reino, seja feita a Tua vontade assim na Terra como no Céu. Temos a definição. O Reino de Deus é uma sociedade em que a vontade de Deus se realiza perfeitamente tanto na Terra como no Céu. Isto quer dizer que só se faz a vontade de Deus os cidadãos do Reino, e só podemos fazer a vontade de Deus quando somos totalmente conscientes de nossa absoluta dependência e incapacidade para enfrentarmos a vida, e somente quando colocamos nossa confiança em Deus. A obediência se fundamenta na confiança. Tomarão posse do Reino de Deus os pobres de espírito, porque são eles que se tem dado conta de sua absoluta dependência da parte de Deus, e tem aprendido a confiar e obedecer. Assim esta Bem aventurança quer dizer:

“Ah Bem-aventurados os que tem consciência de sua própria incapacidade, e que coloca toda sua confiança em Deus, porque só assim pode render a Deus aquela perfeita obediência que o tornará cidadão do Reino dos Céus” [[8]].

 

Trata-se de uma atitude de coração, o reconhecimento da grandeza de Deus e a necessidade de desenvolvimento espiritual, tendo a sua perfeição como modelo Mateus 5: 48. Essa atitude é ao contrário do orgulho espiritual, que é um elemento negativo tanto em nós como nos outros. Jesus jamais usou de ostentação e nunca manifestou atitudes de soberba. Quer que seus discípulos o imitem. Pede simplicidade, humildade, mansidão e bondade. O orgulho é uma das raízes principais do pecado: a humildade de espírito é uma das raízes da vida cristã.

Essa bem-aventurança é um alicerce para as demais, é uma pedra fundamental. O código ético de Jesus tem como base este conceito [[9]].

 

         DELES - A compreensão da necessidade própria é a primeira condição para entrar no Reino da graça de Deus. Pôr estar consciente de sua própria pobreza espiritual, é o publicano da parábola que desceu à sua casa justificado antes que o fariseu que estava pleno de justiça própria, Lucas 18: 9 a 14. No Reino dos céus não há lugar para os orgulhosos, os que estão satisfeitos de si mesmos, os que dependem de justiça própria. Cristo convida os pobres de Espírito a mudarem sua pobreza pela riqueza de sua graça [[10]].

 

         Os publicanos, Mateus e Zaqueu junto com Maria Madalena, aceitaram gostosamente o convite de Cristo que os fariseus rechaçaram [[11]].

 

 

         REINO DOS CÉUS

 

 

      Cristo aqui nos fala tanto de seu futuro Reino de glória como do Reino de Sua graça divina, no presente. Em seus ensinamentos, Cristo falou muitas vezes do Reino da graça, e ao coração dos que aceitam sua soberania celestial. Isto é ilustrado nas parábolas do trigo e do joio, do grão de mostarda do fermento, do tesouro escondido, da pérola e da rede, Mateus 13: 24, 31, 33 e 47, e muitas outras.

 

         Os judeus concebiam o Reino dos céus baseado na força que obrigaria as nações da terra a submeter-se a Israel. Porém o Reino que Cristo veio estabelecer é o que começa no coração dos homens, penetra em suas vidas e transforma os corações e a vida de outros com dinâmico e preponderante poder do amor [[12]].

 

         Nesta seção encontramos o ensino de Jesus sobre o modo como homens e mulheres devem orientar sua conduta ao tornar-se súditos do reino de Deus, cristalizado na forma de instruções diretas. Parte deste ensino é encontrada numa forma mais poética nas palavras ilustrativas pronunciadas por Jesus em outras ocasiões. O melhor comentário sobre a primeira bem aventurança é a parábola do fariseu e do publicano Lucas 18: 9 a 14 [[13]].

 

Comentário Mateus 4: 17. O REINO DOS CÉUS.  Expressão empregada exclusivamente por Mateus 31 vezes em seu Evangelho. Mateus emprega cinco vezes a expressão reino de Deus, que é a única que usam os outros evangelistas. O uso da palavra céu em lugar do nome Deus responde ao costume dos judeus do tempo de Jesus de não dizer o nome sagrado. Empregavam a expressão nome do céu em lugar de nome de Deus; temor do céu por temor de Deus; honra do céu por honra de Deus, etc. A expressão reino dos céus não aparece no AT, ainda que a idéia está implícita nos escritos proféticos Isaias 11: 1 a 12; 35; 65: 17 a 25; Daniel 2: 44; 7: 18, 22 e 27; Miquéias 4: 8; etc. 

 

O reino dos céus ou reino de Deus era o tema do ensino de Jesus Lucas 4: 43; 8: 1. Muitas de suas parábolas começam com as palavras o reino dos céus é semelhante a Mateus 13: 24, 31, 33, 45 a 47. Ensinava a seus discípulos a que orassem pela vinda do reino capítulo 6: 10. Seu Evangelho era a boa nova do reino capítulo 4: 23; etc. Seus discípulos eram os filhos do reino capítulo 13: 38. O Pai se comprazia em dar-lhes o reino Lucas 12: 32, que tinham de herdar Mateus 25: 34. Nesta vida, os cristãos devem dar-lhe ao reino o lugar supremo em seus afetos e devem convertê-lo na mais importante meta da vida capítulo 6: 33. Quando Jesus enviou aos doze, mandou-os que pregassem o reino de Deus. Lucas 9: 2 e 60

 

João proclamou a eminência do estabelecimento do reino dos céus Mateus 3: 2. Jesus também declarou que o reino se tinha acercado capítulo 4: 17 e instruiu a seus discípulos, quando os enviou a pregar, que levassem a mesma mensagem capítulo 10: 7

O reino dos céus se estabeleceu na primeira vinda de Cristo. Jesus mesmo era o Rei, e os que acreditavam Nele eram seus súditos. O território desse reino era o coração e a vida dos súditos. Evidentemente a mensagem de Jesus se referia ao reino da graça divina. Mas, como Jesus mesmo o indicou claramente, o reino da graça antecedia ao reino da glória. Com respeito a este último, os discípulos perguntaram no dia da ascensão: Senhor, restaurarás o reino a Israel neste tempo? Atos 1: 6 e 7. O reino da graça se tinha acercado nos dias de Cristo Mateus 3: 2; 4: 17; 10: 7, mas o reino da glória estava no futuro capítulo 24: 33. Só quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos seus santos anjos com ele, então se sentará em seu trono de glória. capítulo. 25: 31 [[14]].

 

Jesus não só falou sobre o reino no íntimo, ou o reino vindouro, isto é no céu, mas particularmente sobre o reino que ele esperava firmar sobre a terra, o reino que continuamente anunciara a partir do batismo, o mesmo reino que João Batista anunciara estar próximo. Os judeus anelavam intensamente pelo livramento da opressão romana. Jesus esperava esta libertação, e aguardava o novo governo, um reino sobre a terra. A promessa continua sendo essencialmente espiritual, Jesus sempre mostrou profundo interesse pelas coisas espirituais e pouco pensava sobre questões políticas, não contemplava um reino de ostentação e glória terrena para si mesmo e para os seus seguidores. Pensava no estabelecimento do reino de princípios justos e na obediência de seus discípulos a esses princípios [[15]].

 

 

O fariseu e o publicano

 

 

         Lucas 18: 9 - Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros.

 

ESTA PARÁBOLA - Não há uma clara relação entre esta parábola e a anterior a respeito do juiz injusto, e não há como saber se as duas foram ditas na mesma ocasião. Esta parábola, como a anterior, foi apresentada durante o mês de março do ano 31 d. C., em algum lugar da região de Peréia [[16]].

 

CONVENCIDOS - Confiavam em si mesmos. Ainda que não se nomeia em forma direta, é evidente que Jesus se referia aos fariseus. Isto se enfatiza pelo fato de que é um fariseu o que, na parábola, é posto como exemplo de que confiava em si mesmo como justo e menosprezava aos outros. Os escribas e fariseus tinham estado presentes quando Jesus estava ensinando Lucas 15: 2; 16: 14; 17: 20, é provável que estivessem presentes agora também. Lucas indica em sua introdução à parábola que esta estava dirigida a quem tinham confiança em si mesmo e não em Deus capítulo 18: 8 a 9. A fé deles era uma falsa confiança, em contraste com a verdadeira fé que Deus queria que desenvolvessem. A descrição que Paulo faz de si mesmo como fariseu Filipenses 3: 4 a 6, ilustra a mentalidade dos fariseus que confiavam em si mesmos [[17]]. 

 

DE SEREM JUSTOS - Como justos. Segundo suas próprias normas de justiça, as quais os fariseus, observavam rigorosamente, ou pretendiam observar. A norma farisaica de justiça consistia na estrita observância das leis de Moisés e das tradições rabínicas. Em essência, era justiça pelas obras. O conceito farisaico, legalista, da justiça, baseava-se na suposição de que a salvação devia ganhar-se observando certas regras de conduta, e quase não prestavam atenção à necessária consagração do coração a Deus e à transformação dos motivos e dos propósitos da vida. Os fariseus realçavam a letra da lei, mas ignoravam o espírito dela. O conceito de que a conformidade externa aos requerimentos divinos era tudo o que Deus pedia, sem considerar o motivo que impulsionava a cumpri-los, dava forma a sua maneira de pensar e de viver. Jesus tinha advertido em diversas ocasiões a seus discípulos e a outros na contramão deste conceito formalista da salvação Mateus 5: 20; 16: 6; Lucas 12: 1 [[18]].

 

DESPREZAVAM - Menosprezavam. Grego: exouthenéo, desprezar, menosprezar, ter em pouco. Este verbo se traduz como menosprezar em Lucas 23: 11; Romanos 14: 10; II Corintios 10: 10; e como reprovar em Atos 4: 11. Quem se considera como exemplo de virtude tendem a considerar a seus próximos com menosprezo ou desdém [[19]]. 

 

Os outros - Os fariseus tratavam com desprezo a todos os que não aceitavam sua definição de justiça nem regiam sua vida de acordo com ela [[20]].

 

         10 - Dois homens subiram ao Templo para orar; um era fariseu e o outro publicano.

 

         DOIS HOMENS - Jesus não quis dizer que não tivesse outras pessoas presentes, senão que só menciona os dois a quem se refere à parábola. Um deles se considerava santo, e foi ao Templo para se engrandecer diante de Deus e dos homens. O outro se considerava pecador, e foi ao Templo para confessar seu pecado diante de Deus, para suplicar sua misericórdia e obter o perdão [[21]]. 

SUBIRAM - Usa este verbo para referir à subida desde as partes mais baixas da cidade até o monte Moriá. Para os fariseus assistir à hora da oração pela manhã e pela tarde, bem como aos outros serviços do Templo, era um ato de mérito que tinha o propósito de ganhar o favor de Deus e a aprovação dos homens. A respeito dos atos religiosos celebrados com este fim, Jesus disse: já têm sua recompensa Mateus 6: 2. Um espírito de verdadeira humildade ante Deus e nosso próximo é uma das melhores evidências de conversão Miquéias 6: 8 [[22]]

 

PARA ORAR - Provavelmente à hora da oração matutina ou vespertina Lucas 1: 9 a 10. Ainda depois do Pentecostes alguns dos apóstolos parecem ter seguido o costume de assistir ao serviço do Templo nas horas de oração Atos 3: 1; Lucas 10: 3 [[23]]

 

FARISEU - Nesse tempo, o fariseu representava o mais alto nível de religiosidade judia [[24]]. 

 

PUBLICANO - Por outra parte, o publicano representava o nível mais baixo da escala social judaica [[25]].

 

         11 - O fariseu, de pé, orava interiormente deste modo: Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano;

DE PÉPosto em pé. Esta posição era comum na oração I Samuel 1: 26; I Reis 8: 14 e 22; Mateus 6: 5; Marcos 11: 25; Neemias. 8: 5; Daniel 6: 10 [[26]]

 

INTERIORMENTE - Consigo mesmo. Em forma inaudível, só com movimentos de lábios ou em voz muito baixa. O fariseu possivelmente estava dirigindo a si mesmo e não a Deus. É possível que o fariseu tivesse se apartado a certa distância dos outros adoradores reunidos nos átrios do Templo, como se tivesse sido demasiado bom para juntar-se com eles ainda na oração [[27]]. 

 

Ó DEUS DOU-TE GRAÇAS - Sem dúvida, o que em verdade queria dizer era: Deus Tu deves estar agradecido de ter uma pessoa como eu entre os que vieram adorar-te. Sou incomparavelmente superior às pessoas comuns [[28]]. 

 

NÃO SOU COMO O RESTO DOS HOMENS - Os outros homensO resto dos seres humanos. As pessoas comuns estavam longe de atingir a elevada norma de justiça própria do fariseu. Sempre é perigoso determinar a medida de nossa justiça comparando-nos com nosso próximo, não importa qual seja o estado deles Mateus 5: 48. Em notável contraste com a atitude do fariseu, Paulo se considerou como o primeiro dos pecadores I Timóteo 1: 15 [[29]]

 

LADRÕES - Grego: hárpax, ladrão; como adjetivo significa rapaz Mateus 7: 15; Lucas 11: 39. O fariseu continua então com uma relação dos defeitos que não possui, confiado em que assim será mais estimado por Deus. Apresenta uma lista de alguns pecados dos quais não é culpado. Está agradecido por suas próprias virtudes e não pela justiça e a misericórdia de Deus. Está agradecido de que mediante seu esforço diligente se manteve estritamente dentro da letra da lei, mas parece desconhecer totalmente o espírito que deve acompanhar à verdadeira obediência para que seja aceitável a Deus [[30]]. 

 

INJUSTOS - Não tinha quebrantado manifestamente a lei [[31]]. 

 

ADÚLTEROS - Mateus 5: 27 a 32 [[32]]

NEM COMO ESTE PUBLICANO - É possível que a palavra este se utilize não só para designar ao publicano, senão para expressar certo desprezo para ele Lucas 14: 30; 15: 2. Este publicano se destacava porque podia ser visto ainda estando longe do resto da multidão, em outro lugar. Quando o fariseu descobriu a presença desse homem desprezado pela sociedade, pensou em sua oração: Aí tem, Senhor, um exemplo do que quero dizer: esse desprezado angariador de impostos. Alegro-me de não ser como ele [[33]].

 

         12 - Jejuo duas vezes por semana, pago o dízimo de todos os meus rendimentos.

 

JEJUO DUAS VEZES - Depois de apresentar a lista dos pecados de que não era culpado, o fariseu passou a enumerar as virtudes das quais se orgulhava especialmente, virtudes que sem dúvida considerava que lhe comprariam a salvação. Segundo os fariseus, se uma pessoa fazia suficientes atos meritórios, podia cancelar sua dívida de más ações. Os fariseus se orgulhavam de jejuar Mateus. 6: 16 a 18 mais do que requeria a lei e de ser mais escrupulosos em seus dízimos do que demandava a lei ver Mateus 23: 23. Pareciam crer que Deus lhe agradava que eles fizessem esse esforço adicional, voluntário, além do que requeria o dever.

 

O jejum se praticava nas segundas-feiras e nas quintas-feiras, especialmente nas sete semanas que decorriam entre a páscoa e Pentecostes, e nos dois meses que separavam o fim da festa dos tabernáculos, o 22º dia mês sétimo, da festa da dedicação, o 25º dia do mês nono; Levítico 23: 2 a 42; João 10: 22. 

Os cristãos fervorosos jejuavam mais tarde em quartas-feiras e sextas-feiras em certas épocas do ano, para evitar que se os confundisse com os judeus que jejuavam nas segundas-feiras e nas quintas-feiras. Na Didajé 8: 1, documento cristão não canônico do século II, faz-se a advertência: Vosso jejum não seja feito em comum com os hipócritas, porque eles jejuam no segundo e no quinto dia da semana; mas vocês jejuai o quarto dia e no dia da preparação [[34]]. 

 

DÍZIMOS DE TODOS OS MEUS RENDIMENTOS - Dízimos de tudo. Ainda das coisas que não se mencionavam especificamente na lei mosaica referente ao dízimo Mateus 23: 23; coisas tais como da hortelã do endro e do cominho. Isso era mais do que exigia o ensino rabínico [[35]].

 

         13 - O publicano, mantendo-se a distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!

 

MANTENDO-SE À DISTÂNCIA - Estando longe. Provavelmente estava longe do fariseu e dos demais adoradores porque sabia que todos o olhavam mal. Os demais não se sentiriam alegres de ter que estar perto de um publicano ver Lucas 3: 12 [[36]]

 

LEVANTAR OS OLHOS - Alçar os olhos. Jesus levantou os olhos pelo menos uma vez para orar João 17: 1. Compare-se com a descrição de Ezequiel 18: 6, 15; verso 12, na qual um justo é o que não levantou seus olhos aos ídolos. Acostumava-se orar de pé, com as mãos levantadas ao céu I Reis 8: 22; Salmo 28: 2; 63: 4; 134: 2; I Timóteo 2: 8 [[37]]

 

BATIA NO PEITO - Golpeava-se o peito. A atitude do cobrador de impostos testemunhava da sinceridade de suas palavras e dava uma vívida expressão de seu sentimento de pequenez. Sentia-se indigno ainda de orar, mas o entendimento de sua necessidade o impulsionava a fazê-lo [[38]]. 

 

TEM PIEDADE - Sê propício. Sê misericordioso, tem compaixão. A primeira condição para ser aceito por Deus é sentir a necessidade, ter a convicção de que sem a misericórdia divina estaríamos completamente perdidos. Em contraste com o fariseu, o publicano sem dúvida pensou em muitos pecados, e sabia que os tinha praticado; pensou nas virtudes e sabia que não possuía nenhuma delas. Como o apóstolo Paulo, sentia-se pecador I Timóteo 1: 15, que precisava desesperadamente a graça divina. A misericórdia é um aspecto do amor divino, aspecto que não se tinha manifestado e que não podia ter-se conhecido plenamente até que o pecado entrou no universo. A misericórdia é a expressão do amor divino manifesto a quem não merece. A palavra grega que se traduz como sê propício tem um significado muito parecido ao da palavra hebraica hesed Salmo 36, que costuma ser traduzida como misericórdia I Crônicas 16: 34; Salmo 5 1: 1; 52: 1; 136: 1 a 26; 138: 2 [[39]]

 

PECADOR - O cobrador de impostos fala como se não tivesse outros pecadores, como se ele fosse o único I Timóteo 1: 15. Coloca-se numa classe aparte do fariseu. Não é tão virtuoso como os outros, é o pecador. O fariseu se considerava muito superior aos demais Lucas 18: 11; o publicano se considerava muito inferior aos outros [[40]].

 

         14 - Eu vos digo que este último desceu para casa justificado, o outro não. Pois todo que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.

 

EU VOS DIGO - Jesus com freqüência empregou esta expressão para apresentar a declaração de uma verdade importante ou para dar-lhe maior realce. A empregou para apresentar a conclusão de um raciocínio ou de uma parábola. Lucas registra repetidas vezes esta expressão: 4: 25; 9: 27; 10: 24; 12: 51; 13: 3, 5, 27; 17: 34; 18: 8, 14; 19: 40 [[41]]

JUSTIFICADO - Isto é, aceito por Deus e declarado bem na frente dele. O fariseu cria que era justo verso 9, mas Deus não o considerava assim. O publicano se sentia pecador, e este reconhecimento abriu o caminho para que Deus o declarasse sem pecado, um pecador justificado pela misericórdia divina. A diferença estava na atitude dos dois para consigo mesmos e para com Deus [[42]]. 

 

O OUTRO NÃO - Antes queO fariseu se desqualificou a si mesmo de maneira que não pôde receber a misericórdia e a graça de Deus. Seu engrandecimento fechou a porta de seu coração às ricas correntes do amor divino que produziram gozo e paz no publicano. A oração do fariseu não podia ser aceitada por Deus porque não estava acompanhada pelo incenso dos méritos de Jesus Cristo Êxodo 30: 8 [[43]]

 

EXALTA - EnalteceLucas 14: 11; Marcos 9: 35. A origem da luta entre o orgulho e a humildade se encontra na raiz do conflito entre o bem e o mau. Lucas 18: 14 concluem a grande inserção de Lucas, nome que muitas vezes se dá à seção compreendida entre os capítulos 9: 51 e 18: 14, pois nenhum outro evangelista registra a maior parte dos episódios e dos ensinos que aparecem nesta parte do relato [[44]].

 

LEITURA ADICIONAL

 

Os Humildes Herdam o Reino

Cristo ansiava encher o mundo com uma paz e uma alegria semelhantes aos que se hão de encontrar no mundo celestial... Com clareza e com poder proferiu Ele as palavras que deveriam ressoar até nossos dias, como um tesouro de bondade. Que preciosas palavras foram elas, e quão repletas de animação! De Seus divinos lábios caíram com plena e abundante certeza de bênçãos que mostraram ser Ele a fonte de toda bondade, e que era Sua prerrogativa beneficiar e impressionar a mente de todos os presentes. Ele estava empenhado em Sua peculiar e sagrada ocupação, e achavam-se à Sua disposição os tesouros da eternidade. Ele não conhecia limites no emprego dos mesmos. Não era nenhum roubo de Sua parte o agir na qualidade de Deus. Incluía em Suas bênçãos os que haviam de formar Seu reino neste mundo. Ele trouxera ao mundo toda bênção essencial à felicidade e alegria de toda pessoa, e perante aquela vasta assembléia apresentava as riquezas da graça celeste, os acumulados tesouros do Pai eterno, imortal...

 

Ele especifica os que se hão de tornar herdeiros de Deus e co-herdeiros Seus. Proclama publicamente Sua escolha de súditos, e lhes designa o lugar em Seu serviço como ligados a Ele. Os que possuem o caráter aí especificado, partilharão com Ele a bem-aventurança e a glória e honra que Lhe advirão para sempre [[45]].

 

Como um ensino estranho e novo, estas palavras caem nos ouvidos da multidão admirada. Semelhante doutrina é contrária a tudo que ouviram dos sacerdotes e rabinos. Nela não vêem coisa alguma que lisonjeie seu orgulho ou lhes alimente as ambiciosas esperanças. Irradia, porém, deste novo Mestre um poder que os conserva como que presos. Dir-se-ia que a doçura do amor divino transcendesse de Sua presença, como da flor o perfume. Suas palavras caem como a chuva sobre a erva ceifada, como os chuveiros que umedecem a terra. Salmo 72: 6. Todos sentem instintivamente que existe um Ser capaz de ler os segredos da alma, e não obstante, deles Se aproxima com terna compaixão. Os corações a Ele se abrem e, à medida que O escutam, o Espírito Santo lhes desdobra alguma coisa do significado daquela lição de que a humanidade de todas as épocas carece. 

 

Nos dias de Cristo os guias religiosos do povo julgavam-se ricos em tesouros espirituais. A oração do fariseu: Ó Deus, graças Te dou, porque não sou como os demais homens. Lucas 18: 11, exprimia os sentimentos de sua classe e, em grande parte, da nação inteira. Mas na multidão que cercava Jesus, alguns havia que tinham a intuição de sua pobreza espiritual. Quando, na pesca miraculosa, se revelou o poder de Cristo, Pedro rojou-se aos pés do Salvador, exclamando: Senhor, ausenta-Te de mim, por que sou um homem pecador. Lucas 5: 8; assim na multidão reunida no monte havia pessoas que, na presença de Sua pureza, se sentiam desgraçadas, miseráveis, pobres, cegas e nuas Apocalipse 3: 17; e estas almejavam a graça de Deus, ... trazendo salvação a todos os homens. Tito 2: 11. Nessas almas, as palavras de saudação de Cristo despertaram esperança; viram que sua vida estava sob a bênção de Deus.

 

Jesus apresentara a taça de bênçãos aos que se julgavam ricos e de nada carecidos Apocalipse 3: 17, e eles, com escárnio, volveram costas à dádiva misericordiosa. Aquele que se julga são, que pensa ser razoavelmente bom e se satisfaz com o seu estado, não procura tornar-se participante da graça e justiça de Cristo. O orgulho não sente necessidade, fechando, pois, o coração a Cristo e às bênçãos infinitas que Ele veio dar. Não há lugar para Jesus no coração dessa pessoa. Os que são ricos e honrados aos próprios olhos, não oram com fé, para receberem a bênção de Deus. Presumem estar cheios, por isso se retiram vazios. Os que sabem que não se podem salvar a si mesmos, nem de si praticar qualquer ação de justiça, são os que apreciam o auxílio que Cristo pode conceder. São eles os humildes de espírito, aos quais Ele declara bem-aventurados. 

 

Aquele a quem Cristo perdoa, faz Ele primeiro penitente, e é função do Espírito Santo convencer do pecado. Aquele cujo coração foi movido pela convicção comunicada pelo Espírito de Deus, vê que em si mesmo nenhum bem existe. Vê que tudo que já fez está misturado com o próprio eu e o pecado. Como o pobre publicano, fica a distância, não ousando erguer os olhos ao céu, e clamam: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Lucas 18: 13. Essas pessoas são abençoadas. Há perdão para o penitente, pois Cristo é o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. João 1: 29. A promessa de Deus é ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã. Isaias 1: 18. E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um Espírito novo. Ezequiel 36: 26.

 

Dos humildes de espírito, diz Jesus: Deles é o reino dos Céus. Mateus 5: 3. Este reino não é, como esperavam os ouvintes de Cristo, um domínio temporal e terreno. Cristo estava a abrir aos homens o reino espiritual de Seu amor, Sua graça, Sua justiça. A insígnia do reino do Messias distingue-se pela imagem do Filho do homem. Seus súditos são os humildes de espírito, os mansos, os perseguidos por causa da justiça. Deles é o reino dos Céus. Conquanto não se tenha ainda realizado plenamente, iniciou-se neles a obra que os tornará idôneos para participar da herança dos santos na luz. Colossenses 1: 12

 

Todos os que têm a intuição de sua profunda pobreza de alma e vêem que em si mesmos nada possuem de bom, encontrarão justiça e força olhando a Jesus. Diz Ele: Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos. Mateus 11: 28. Ele vos ordena que troqueis a vossa pobreza pelas riquezas de Sua  graça. Não somos dignos do amor de Deus, mas Cristo, nossa segurança, é digno, e capaz de salvar abundantemente todos os que forem a Ele.

 

Qualquer que tenha sido vossa vida passada, por mais desanimadoras que sejam vossas circunstâncias presentes, se fordes a Jesus exatamente como sois, fracos, incapazes e em desespero, nosso compassivo Salvador irá grande distância ao vosso encontro, e em torno de vós lançará os braços de amor e as vestes de Sua justiça. Ele nos apresenta ao Pai, trajados nas vestes brancas de Seu próprio caráter. Ele roga a Deus em nosso favor, dizendo: Eu tomei o lugar do pecador. Não olhes a este filho desgarrado, mas a Mim. E quando Satanás intervém em altos brados contra nossa alma, acusando-nos de pecado, e reivindicando-nos como presa sua, o sangue de Cristo intercede com maior poder.

 

De Mim se dirá: Deveras no Senhor há justiça e força... No Senhor será justificada e se gloriará toda a descendência de Israel. Isaias 45: 24 e 25 [[46]].

 

 

Um Sinal de Grandeza

 

 

A uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros, dirigiu Cristo a parábola do fariseu e do publicano. O fariseu sobe ao Templo para adorar, não porque sente ser pecador necessitado de perdão, mas por julgar-se justo e esperar obter elogio. Considera sua adoração um ato meritório que o recomendará a Deus. Simultaneamente dará ao povo uma demonstração elevada de sua piedade. Esperava assegurar-se o favor de Deus e dos homens. Sua adoração é motivada pelo interesse próprio. 

 

Está cheio de louvor próprio. Isto é evidente em seu olhar, porte e oração. Apartando-se dos outros, como se quisesse dizer: Não vos chegueis a mim, porque sou mais santo do que vós, põe de pé e ora consigo. Isaias 65: 5. Todo satisfeito consigo mesmo, pensa que Deus e os homens o consideram com igual complacência. 

 

Ó Deus, graças Te dou, disse, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Lucas 18: 11. Julga seu caráter, não pelo caráter santo de Deus, mas pelo caráter de outros homens. Seu espírito desvia-se de Deus para a humanidade. Este é o segredo de sua satisfação própria. 

 

Prossegue enumerando suas boas ações: Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. Lucas 18: 12. A religião do fariseu não toca a pessoa. Não atenta para o caráter semelhante ao de Deus, nem para o coração cheio de amor e misericórdia. Dá-se por contente com uma religião que só se refere à vida exterior. Sua justiça lhe é própria, é o fruto de suas próprias obras. E é julgada por um padrão humano. 

 

Todo aquele que em si mesmo confia que é justo, desprezará os demais. Como o fariseu, julga a si próprio por outros homens, julga aos outros por si. Sua justiça é avaliada pela deles, e quanto piores, tanto mais justo parece ele. Sua justiça própria leva-o a acusar. Os demais homens, condena ele como transgressores da lei de Deus. Deste modo manifesta o próprio espírito de Satanás, o acusador dos irmãos. Impossível lhe é neste espírito entrar em comunhão com Deus. Volta para sua casa destituído da bênção divina. 

 

O publicano entrou no Templo juntamente com outros adoradores, mas, como se fosse indigno de tomar parte na devoção, apartou-se logo deles. Estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, em profunda angústia e aversão própria. Sentia que transgredira a lei de Deus e era pecador e poluído. Não podia esperar nem mesmo piedade dos circunstantes; porque todos o observavam com desprezo. Sabia que em si não tinha méritos para recomendá-lo a Deus, e em absoluto desespero, clamou: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Lucas 18: 13. Não se comparou com outros. Esmagado por um senso de culpa, estava como que só, na presença de Deus. Seu único desejo era alcançar paz e perdão; sua única súplica, a bênção de Deus. E foi abençoado. Digo-vos, disse Cristo, que este desceu justificado para sua casa, e não aquele. Lucas 18: 14

 

O fariseu e o publicano representam os dois grandes grupos em que se dividem os adoradores de Deus. Seus primeiros representantes encontram-se nos dois primeiros filhos nascidos neste mundo. Caim julgava-se justo, e foi a Deus com uma simples oferta de gratidão. Não fez confissão de pecado, nem reconheceu que carecia de misericórdia. Abel, porém, foi com o sangue que apontava ao Cordeiro de Deus. Foi como pecador que confessava estar perdido; sua única esperança era o imerecido amor de Deus. O Senhor Se agradou de seu sacrifício, mas de Caim e de sua oferta não Se agradou. A intuição de necessidade, o reconhecimento de nossa pobreza e pecado, é a primeira condição para sermos aceitos por Deus. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos Céus. Mateus 5: 3

 

Para cada um dos grupos representados pelo fariseu e o publicano, há uma lição na história do apóstolo Pedro. Na primeira parte de seu discipulado, Pedro tinha-se por forte. Semelhante ao fariseu, não era a seus olhos como os demais homens. Lucas 18: 11. Quando Cristo, na noite em que foi traído, preveniu Seus discípulos: Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim, Pedro retrucou confiantemente: Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu. Marcos 14: 27 e 29. Pedro não conhecia o perigo que o ameaçava. A confiança própria enganou-o. Julgou-se capaz de resistir à tentação; mas poucas horas depois veio a prova e, com blasfêmia e perjúrio, negou seu Senhor. 

 

Quando o cantar do galo lhe lembrou as palavras de Cristo, surpreso e atônito pelo que acabava de fazer, voltou-se e olhou a seu Mestre. Simultaneamente Cristo olhou a Pedro e sob aquele olhar aflito em que se misturavam amor e compaixão por ele, Pedro conheceu-se. Saiu e chorou amargamente. Aquele olhar de Cristo lhe partiu o coração. Pedro chegara ao ponto decisivo, e amargamente se arrependeu de seu pecado. Foi como o publicano em sua contrição e arrependimento, e como o publicano achou também graça. O olhar de Cristo lhe assegurou o perdão. 

 

Findou aí sua confiança própria. Nunca mais foram repetidas as velhas afirmações de auto-suficiência. Depois da ressurreição, três vezes provou Cristo a Pedro. Simão, filho de Jonas, disse, amas-Me mais do que estes? João 21: 15. Pedro agora não se exaltou sobre os irmãos. Apelou Àquele que podia ler o coração. Senhor, respondeu, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo. João 21: 17

 

Recebeu então Sua incumbência. Foi-lhe apontada uma obra mais ampla e mais delicada que antes. Cristo lhe ordenou apascentar as ovelhas e os cordeiros. Confiando-lhe ao cuidado as pessoas pelas quais o Salvador depusera a vida, deu Cristo a Pedro a maior prova de estar convencido de sua reabilitação. O discípulo outrora inquieto, orgulhoso, confiante em si mesmo, tornara-se submisso e contrito. Desde então, seguiu o seu Senhor em abnegação e sacrifício próprio. Era participante dos sofrimentos de Cristo; e quanto Ele Se assentar no trono de Sua glória, Pedro será um participante da mesma. 

 

O mesmo mal que levou Pedro à queda e excluiu da comunhão com Deus o fariseu, torna-se hoje a ruína de milhares. Nada é tão ofensivo a Deus nem tão perigoso para o espírito humano como o orgulho e a presunção. De todos os pecados é o que menos esperança incute, e o mais irremediável.

 

A queda de Pedro não foi repentina, mas gradual. A confiança em si mesmo induziu-o à crença de que estava salvo, e desceu passo a passo o caminho descendente até negar a Seu Mestre. Jamais podemos confiar seguramente em nós mesmos ou sentir, aquém do Céu, que estamos livres da tentação. Nunca se deve ensinar aos que aceitam o Salvador, conquanto sincera sua conversão, que digam ou sintam que estão salvos. Isso é enganoso. Deve-se ensinar cada pessoa a acariciar esperança e fé; mas, mesmo quando nos entregamos a Cristo e sabemos que Ele nos aceita não estamos fora do alcance da tentação. A Palavra de Deus declara: Muitos serão purificados, e embranquecidos, e provados. Daniel 12: 10. Só aquele que sofre a tentação... receberá a coroa da vida. Tiago 1: 12

 

Os que aceitam a Cristo e dizem em sua primeira confiança: Estou salvo! estão em perigo de depositar confiança em si mesmos. Perdem de vista a sua fraqueza e necessidade constante do poder divino. Estão desapercebidos para as ciladas de Satanás, e quando tentados, muitos, como Pedro, caem nas profundezas do pecado. Somos advertidos: Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia. I Corintios 10:12. Nossa única segurança está na constante desconfiança de nós mesmos e na confiança em Cristo. 

 

Era necessário que Pedro conhecesse seus próprios defeitos de caráter e a necessidade de receber de Cristo poder e graça. O Senhor não podia livrá-lo da tentação, mas sim salvá-lo da derrota. Estivesse Pedro disposto a aceitar a advertência de Cristo, teria vigiado em oração. Teria andado com temor e tremor para que seus pés não tropeçassem. E teria recebido auxílio divino, de modo que Satanás não teria alcançado a vitória. 

 

Foi pela presunção que Pedro caiu; e por arrependimento e humilhação seus pés foram firmados novamente. No relatório de sua experiência todo pecador penitente pode achar encorajamento. Embora Pedro tivesse pecado gravemente, não foi abandonado. As palavras de Cristo: Roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça, estavam-lhe escritas no mais íntimo do ser. Lucas 22: 32. Em sua amarga agonia de remorso, esta oração e a lembrança do terno e misericordioso olhar de Cristo, deram-lhe esperança. Depois da ressurreição, lembrou-se Cristo de Pedro e deu ao anjo a mensagem para as mulheres: Ide, dizei a Seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali O vereis. Marcos 16: 7. O arrependimento de Pedro foi aceito pelo Salvador compassivo. 

 

E a mesma compaixão manifestada para salvar a Pedro é oferecida a todo indivíduo que caiu em tentação. É o ardil especial de Satanás levar o homem ao pecado e, então, deixá-lo desamparado e tremente, receando suplicar perdão. Por que devemos temer, se Deus disse: Que se apodere da Minha força e faça paz comigo; sim, que faça paz comigo.? Isaias 27: 5. Foram tomadas todas as providências para nossas fraquezas e oferecido todo encorajamento para nos chegarmos a Cristo. 

 

Cristo ofereceu Seu corpo quebrantado para readquirir a herança de Deus, para dar ao homem outra prova. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por Ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles. Hebreus 7: 25. Por Sua vida imaculada, obediência e morte na cruz do Calvário, intercedeu Cristo pela raça perdida. E agora o Príncipe de nossa salvação não intercede por nós como mero peticionário, mas como um Conquistador que reclama a vitória. Seu sacrifício está consumado e como nosso Intercessor cumpre a obra que a Si mesmo Se impôs, apresentando a Deus o incensário que contém os Seus méritos imaculados e as orações, confissões e ações de graças de Seu povo. Perfumados com a fragrância de Sua justiça, sobem como cheiro suave a Deus. A oferenda é inteiramente aceitável, e o perdão cobre todas as transgressões. 

 

Cristo Se comprometeu a ser nosso substituto e fiador, e não despreza ninguém. Ele, que não pôde ver seres humanos sujeitos à ruína eterna sem entregar Sua vida à morte por eles, contemplará com piedade e compaixão todo aquele que reconhece não poder salvar-se a si próprio. Não contemplará nenhum trêmulo suplicante, sem soerguê-lo. Ele, que pela expiação proveu ao homem um infinito tesouro de força moral, não deixará de empregar esse poder em nosso favor. Podemos depositar a Seus pés nossos pecados e cuidados; pois Ele nos ama. Mesmo Seu olhar e palavras despertam nossa confiança. Formará e moldará nosso caráter segundo Sua vontade. 

 

Em todo o poderio satânico não há força para vencer uma única pessoa que se rende confiante a Cristo. “Dá vigor ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor” (Isaias 40: 29). “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (I João 1: 9). “O Senhor diz: Somente reconhece a tua iniqüidade, que contra o Senhor, teu Deus, transgrediste” (Jeremias 3:13). “Então, espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei” (Ezequiel 36:25). 

 

Todavia precisamos ter conhecimento de nós mesmos, conhecimento que resultará em contrição, antes de podermos achar perdão e paz. O fariseu não sentia convicção de pecado. O Espírito Santo não podia nele atuar. Sua vida apoiava-se numa couraça de justiça própria, a qual as setas de Deus, farpadas e desferidas pelos anjos, não podiam penetrar. Cristo só pode salvar quem reconhece ser pecador. “Veio a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos” (Lucas 4: 18 e 19). “Mas não necessitam de médico os que estão sãos” (Lucas 5: 31). Precisamos conhecer nossa verdadeira condição, do contrário não sentiremos nossa carência do auxílio de Cristo. Precisamos compreender nosso perigo, senão não correremos ao refúgio. Precisamos sentir a dor de nossas feridas, senão não desejaremos cura. 

 

O Senhor diz: “Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta ; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu, aconselho-te que de Mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças, e vestes brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas”. (Apocalipse 3: 17 e 18). O ouro provado no fogo é a fé que opera por amor. Somente isto nos pode pôr em harmonia com Deus. Podemos ser ativos, podemos executar muito trabalho; mas sem o amor, amor como o que há no coração de Cristo, jamais podemos ser contados na família celestial. 

 

Nenhum homem pode de si mesmo entender seus erros. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jeremias 17: 9). Os lábios podem exprimir uma pobreza de espírito que o coração não reconhece. Ao passo que fala a Deus de pobreza de espírito, pode o coração ensoberbecer-se com a presunção de sua humildade superior e exaltada justiça. Só de um modo o verdadeiro conhecimento do próprio eu pode ser alcançado. Precisamos olhar a Cristo. O desconhecimento Dele é que dá aos homens uma tão alta idéia de sua própria justiça. Ao contemplarmos Sua pureza e excelência, veremos nossa fraqueza, pobreza e defeitos, como realmente são. Ver-nos-emos perdidos e sem esperança, vestidos com o manto da justiça própria, como qualquer pecador. Veremos que se afinal formos salvos, não será por nossa própria bondade, mas pela graça infinita de Deus. 

 

A oração do publicano foi ouvida porque denotava submissão, empenhando-se para apoderar-se da Onipotência. O próprio eu nada parecia ao publicano senão vergonha. Assim precisa ser considerado por todos os que buscam a Deus. Pela fé, que renuncia a toda confiança própria, precisa o necessitado suplicante apropriar-se do poder infinito. 

 

Nenhuma cerimônia exterior pode substituir a simples fé e a renúncia completa do eu. Todavia ninguém se pode esvaziar a si mesmo do eu. Somente podemos consentir em que Cristo execute a obra. Então a linguagem da alma será: Senhor, toma meu coração; pois não o posso dar. É Tua propriedade. Conserva-o puro; pois não posso conservá-lo para Ti. Salva-me a despeito de mim mesmo, tão fraco e tão dessemelhante de Cristo. Molda-me, forma-me e eleva-me a uma atmosfera pura e santa, onde a rica corrente de Teu amor possa fluir por minha alma. 

 

Não é só no princípio da vida cristã que esta entrega do próprio eu deve ser feita. Deve ser renovada a cada passo dado em direção do Céu. Todas as nossas boas obras dependem de um poder que não está em nós. Portanto deve haver um contínuo almejar do coração após Deus, uma contínua, fervorosa, contrita confissão de pecado e humilhação da alma perante Ele. Só podemos caminhar com segurança por uma constante negação do próprio eu e confiança em Cristo. 

 

Quanto mais nos achegarmos a Jesus e mais claramente discernirmos a pureza de Seu caráter, tanto mais claramente discerniremos a extraordinária malignidade do pecado, e tanto menos teremos a tendência de nos exaltar. Aqueles a quem o Céu considera santos, são os últimos a alardear sua própria bondade. O apóstolo Pedro tornou-se um fiel servo de Cristo e foi grandemente honrado com luz e poder divinos; e tomou parte ativa na edificação da igreja de Cristo; entretanto, Pedro jamais se esqueceu da tremenda experiência de sua humilhação; seu pecado foi perdoado; contudo bem sabia que unicamente a graça de Cristo lhe podia valer naquela fraqueza de caráter que lhe ocasionou a queda. Em si mesmo nada achava de que se gloriar.

 

Nenhum dos apóstolos e profetas jamais pretendeu estar isento de pecado. Homens que viveram mais achegados a Deus, homens que sacrificariam antes a vida a cometer conscientemente uma ação injusta, homens que Deus honrou com luz e poder divinos, confessaram a pecaminosidade de sua natureza. Nunca confiaram na carne, nunca pretenderam ser justos em si mesmos, mas confiaram inteiramente na justiça de Cristo. O mesmo se dará com todos os que contemplam a Cristo. 

 

A cada avanço na experiência cristã nosso arrependimento aprofundar-se-á. Justamente àqueles a quem Deus perdoou e reconhece como Seu povo, diz Ele: “Então, vos lembrareis dos vossos maus caminhos e dos vossos feitos, que não foram bons;  e tereis nojo em vós mesmos das vossas maldades e das vossas abominações” (Ezequiel 36: 31). “Outra vez, diz: Estabelecerei o Meu concerto contigo, e saberás que Eu sou o Senhor; para que te lembres, e te envergonhes, e nunca mais abras a tua boca, por causa da tua vergonha, quando Me reconciliar contigo de tudo quanto fizeste, diz o Senhor Iahweh” (Ezequiel 16: 62 e 63). Então nossos lábios não se abrirão para nos gloriarmos. Saberemos que só em Cristo temos suficiência. Faremos nossa a confissão do apóstolo: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Romanos 7: 18). “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo” (Gálatas 6: 14). 

 

Em harmonia com esta experiência está o mandamento: “Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade” (Filipenses 2: 12 e 13). Deus não vos ordena temer que deixará de cumprir Suas promessas, que Sua paciência se cansará ou que Sua compaixão há de faltar. Temei que vossa vontade não seja mantida em sujeição à vontade de Cristo, que vossos traços de caráter herdados e cultivados vos dominem a vida. Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade. Temei que o próprio eu se interponha entre vosso espírito e o grande Artífice. Temei que vossa obstinação frustre o elevado propósito que, por vosso intermédio, Deus deseja alcançar. Temei confiar na própria força; temei retirar da mão de Cristo a vossa mão e tentar caminhar pela estrada da vida sem Sua presença permanente. 

 

Precisamos evitar tudo quanto estimule o orgulho e a presunção; portanto, devemos acautelar-nos de fazer ou receber lisonjas ou louvores. Lisonjear é obra de Satanás. Procede ele tanto com bajulações, quanto acusando e condenando. Deste modo procura causar a ruína da alma. Aqueles que louvam os homens, são usados por Satanás como agentes seus. Esquivem-se os obreiros de Cristo de toda palavra de elogio. Elimine-se de vista o próprio eu. Cristo, somente, deve ser exaltado. Dirija-se todo olhar e ascenda o louvor de cada coração “Àquele que nos ama, e em Seu sangue no lavou dos nossos pecados” (Apocalipse 1: 5). 

 

A vida em que é acariciado o temor do Senhor não será uma vida de tristeza e melancolia. É a ausência de Cristo que torna triste a fisionomia, e a vida uma peregrinação de gemidos. Quem muito se considera e está cheio de amor-próprio, não sente a necessidade de união vital e pessoal com Cristo. O coração que não caiu sobre a Rocha, vangloria-se de sua integridade. Os homens desejam uma religião dignificada. Desejam caminhar num caminho fácil para admitir seus bons predicados. Seu amor-próprio e sua ambição de popularidade e elogio excluem do coração o Salvador, e sem Ele só há melancolia e sombra. Mas Cristo habitando na vida é uma fonte de alegria. Para todos os que O aceitam, a nota predominante da Palavra de Deus é o regozijo. 

 

“Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade e cujo nome é santo: Em um alto e santo lugar habito e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos” (Isaias 57: 15). 

 

Foi quando Moisés estava oculto na fenda da rocha, que mirou a glória de Deus. E quando nos escondemos na Rocha partida é que Cristo nos cobrirá com Sua mão traspassada e ouviremos o que o Senhor diz a Seus servos. A nós como a Moisés, Deus Se revelará como “misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão, e o pecado” (Êxodo 34: 6 e 7). 

 

A obra da redenção envolve conseqüências das quais é difícil ao homem ter qualquer concepção. “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que O amam” (I Corintios 2: 9). Aproximando-se o pecador da cruz erguida, e prostrando-se junto à mesma, atraído pelo poder de Cristo, dá-se uma nova criação. É-lhe dado um novo coração. Torna-se uma nova criatura em Cristo Jesus. A santidade acha que nada mais há para requerer. Deus mesmo é “justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3: 26). “E aos que justificou, a esses também glorificou” (Romanos 8: 30). Grande como seja a vergonha e degeneração pelo pecado ainda maior será a honra e exaltação pelo amor redentor. Aos seres humanos que lutam por conformidade com a imagem divina, será concedido um suprimento do tesouro celeste, uma excelência de poder que os colocarão acima dos próprios anjos que jamais caíram. 

 

“Assim diz o Senhor, o Redentor de Israel, o seu Santo, à alma desprezada, ao que as nações abominam... os reis O verão e se levantarão; os príncipes diante de Ti se inclinarão, por amor do Senhor, que é fiel, e do Santo de Israel, que te escolheu” (Isaias 49: 7). 

“Porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado” (Lucas 18: 14[47]).

 



[1] BJ, p. 1.845.

[2] CBASD, vol. 5, p. 316.

[3] CBASD, vol. 5, p. 633.

[4] CBASD, vol. 5, pp. 710 e 711.

[5] CBASD, vol. 5, p. 729.

[6] Parábolas de Jesus, p. 119.

[7] Mateus, Introdução e Comentário, R. V. G. Tasker, Mundo Cristão, pp. 48 e 49.

[8] Comentário ao Novo Testamento, Mateus, vol. 1, William Barclay. Editora Clie, pp. 109 a 112.

[9] ONTIVV, Russell Norman Champlin, Ph. D. Vol. 1, pp. 303 e 304.

[10] CBASD, vol. 5, p. 316.

[11] Camino de Felicidad, Taylor G. Bunch, p. 25.

[12] CBASD vol. 5, p. 316.

[13] Mateus, Introdução e Comentário, R. V. G. Tasker, Mundo Cristão, pp. 47 e 48.

[14] CBASD, vol. 5 pp. 309 e 310..

[15] ONTIVV, Russell Norman Champlin, Ph. D. Vol. 1, p. 304..

[16] CBASD, vol. 5 p. 825.

[17] CBASD, vol. 5 p. 824.

[18] CBASD, vol. 5 p. 824.

[19] CBASD, vol. 5 pp. 824 e 825.

[20] CBASD, vol. 5 p. 825.

[21] CBASD, vol. 5 p. 825.

[22] CBASD, vol. 5 p. 825.

[23] CBASD, vol. 5 p. 825.

[24] CBASD, vol. 5 p. 825.

[25] CBASD, vol. 5 p. 825.

[26] CBASD, vol. 5 p. 825.

[27] CBASD, vol. 5 p. 825.

[28] CBASD, vol. 5 p. 825.

[29] CBASD, vol. 5 p. 825.

[30] CBASD, vol. 5 p. 825.

[31] CBASD, vol. 5 p. 825.

[32] CBASD, vol. 5 p. 825.

[33] CBASD, vol. 5 pp. 825 e 826.

[34] CBASD, vol. 5 p. 826.

[35] CBASD, vol. 5 p. 826.

[36] CBASD, vol. 5 p. 826.

[37] CBASD, vol. 5 p. 826.

[38] CBASD, vol. 5 p. 826.

[39] CBASD, vol. 5 p. 826.

[40] CBASD, vol. 5 p. 826.

[41] CBASD, vol. 5 p. 826.

[42] CBASD, vol. 5 pp. 826 e 827.

[43] CBASD, vol. 5 p. 827.

[44] CBASD, vol. 5 p. 827.

[45] Manuscrito 118, 1905.

[46] O Maior Discurso de Cristo, pp. 6 a 9.

[47] Parábolas de Jesus, pp. 150 a 163