20º

MATEUS 06

INTRODUÇÃO

A MOTIVAÇÃO DA RECOMPENSA NA VIDA CRISTÃ

Quando estudamos os versos iniciais de Mateus 6, nos deparamos imediatamente com uma questão da mais alta im­portância: Que lugar tem a motivação da recompensa na vida cristã? Três vezes nesta seção, Jesus diz que Deus recompensa aos que Lhe tem prestado a classe de serviço que Ele deseja Mateus 6: 4, 6, 18. Esta questão é tão importante que faremos bem nos deter e examinar antes de iniciar nosso estudo do capítulo em detalhe.

Afirma muito claramente que a motivação da recom­pensa não tem absolutamente nenhum lugar na vida cristã. O conceito é que devemos ser bons por ser bons; que a virtude é sua própria recompensa, e que tem que desenterrar da vida cristã a ideia da recompensa. Houve um antigo santo que dizia que queria apagar todos os fogos do inferno com água, e abrasar todos os gozos do céu com fogo, para que as pessoas buscassem a bondade somente por amor a bondade mesma, para que a ideia de recompensa e castigo fosse eliminada totalmente da vida. Foi isto que inspirou o grande soneto espanhol:

Não me move, meu Deus, para querer o Céu que me tens prometido,

Nem me move ao inferno, tão temido, para deixar por isto te ofender.

Tu me moves, Senhor, à Cruz escarnecida;

Move para ver Teu corpo ferido, Tu que enfrentas a morte.

Move-me no Teu amor, de tal maneira

Ainda que não houvesse Céu eu Te amaria,

E ainda que não houvesse inferno, Te temeria.

Não me tens que dar porque Te queira; porque, se o que espero não esperaria,

O mesmo que Te quero que seja o que Tu queres.

Esta é a expressão de uma grande nobreza espiritual. Jesus não Se omitiu de falar das recompensas de Deus, que fez por três vezes nesta passagem. Dar esmola, fazer oração e jejuar, Jesus nos assegura que não permanecerão sem sua recom­pensa correspondente.

Este é um exemplo isolado da ideia da re­compensa e do ensino de Jesus.

Disse aos que sofreram lealmente a perseguição e o insulto sem amargura, que sua recompensa será grande (Mt. 5: 12). Disse que o que dá a um desses Seus pequeninos um vaso de água fresca por quanto é discípulo, não ficará sem sua recompensa (Mt. 10: 42). O ensino da Parábola dos Talentos, ensina, que o serviço fiel receberá recompensa correspondente (Mt. 25: 14- 30). Na Parábola do Juízo Final, o ensinamento óbvio é que há recompensa e castigo para nossa reação as necessidades de nossos semelhantes (Mt. 25: 31 a 46). Está suficientemente claro que Jesus não deixou de falar em termos de recompensa e castigo. Ter cuidado em ser mais espiritual é o que Jesus enfatiza no assunto das recom­pensas. Existem certos fatos inegáveis que não devemos esquecer, tendo-os em conta.

1. É uma regra indiscutível de vida que qualquer ação que não produz nenhum resultado é fútil e sem sentido. Uma bondade que não tem nenhum fruto carece de sentido. Como se tem dito muito bem: A menos que algo sirva para algo, não serve para nada. A menos que a vida cristã tenha um propósito e uma meta que vale a pena obter, se converte em um despropósito. O que crê no Evangelho e em suas promessas não pode crer que a bondade não tenha resultados além de si mesma.

2. O desenterrar todas as recompensas e castigos da vida espiritual seria dizer que a injustiça tem a última palavra. Não se pode pensar razoavelmente que o bem e o mal acabem da mesma maneira. Isto seria dizer que a Deus não se importa se somos bons ou não. Queria dizer, francamente, que não tem sentido ser bom, e não haveria razão para viver de uma maneira em vez de outra. Eliminar todas as recompensas e todos os castigos seria dizer que em Deus não há nem justiça nem amor.

As recompensas e os castigos são necessários para dar sentido a vida. Se não houvesse, luta e sofrimento! o bem, seria levado ao vento.

 

O conceito cristão da recompensa

A ideia de recompensa na vida cristã, tem certas coisas que de­vemos ter claras.

1. Quando Jesus falava de recompensas, definitivamente não estava pensando em termos de recompensas materiais. É indubitavelmente certo que, no AT, as ideias de bondade e de prosperidade material estão intimamente relacionadas. Se uma pessoa prosperava, se seus campos eram férteis e suas colheitas abundantes, se tivesse muitos filhos e muita fortuna, isto se tomava como uma prova de que era uma boa pessoa.

Este é precisamente o problema que se encontra no Livro de Jó. Ele se encontra em desgraça; seus amigos vem convencê-lo de que essa desgraça tem que ser resultado de seu pecado, acusação que nega veementemente. Recordas de um inocente que tenha perecido? Onde já se viu que justos fossem exterminados? (Jó 4: 7). Se fores puro e reto, dizia Bildade, Desde agora a tua luz brilhará sobre ti e restaurará a casa de um justo (Jó 8: 6). Disseste: Minha conduta é pura, sou inocente a teus olhos. dizia Zofar. A mesma ideia queria contradizer o Livro de era a de que a bondade e a prosperidade material estão sempre juntas.

Fui jovem e agora estou velho, mas nunca vi um justo abandonado, nem sua descendência mendigando o pão (Sl. 37: 25). Cairão mil ao teu lado e dez mil a tua direita, diz o salmista; Mas tu não serás atingido. Cer­tamente, com teus próprios olhos verás o salário dos ímpios. Tu que dizes Iahweh é o meu abrigo, e fazes do Altíssimo teu refúgio. A desgraça jamais te atingirá e praga nenhuma chegará a tua tenda (Sl. 91: 7-10). Estas são coisas que Jesus não havia dito. Não era a prosperidade material que Jesus prometia a Seus seguidores. De fato lhes prometia provas e tribulações, sofrimento, perseguição e morte. Certo é que Jesus não estava pensando em recompensas materiais.

2.  Temos que recordar que a recom­pensa mais elevada nunca se dá ao que está buscando. Se está buscando uma recompensa, contabilizando o que crê haver ganhado e merecer, perderá o que busca. E perderá porque vê a Deus doador da vida de maneira equivocada. O que sempre está calculando sua recompensa, pensa em Deus como um juiz, ou como um contador, e sobre tudo na vida em termos legais. Está pensando em fazer tanto e ganhar tanto. Pensa na vi­da em termos de dever e fazer. Quer apresentar a Deus uma conta, e dizer: Tudo isto eu faço. Estou reclamando minha recompensa.

O erro básico deste ponto de vista é que concebe a vida em termos da lei e da letra e não no amor. Se amamos profundamente uma pessoa, com humildade e sem egoísmo, estaremos completamente seguros de que, ainda que déssemos a essa pessoa todo universo, ainda estaríamos em dúvida; a última coisa que pensaríamos seria ter ganho uma recompensa. Se tem um ponto de vista legal da vida, não há mais o que pensar sobre recompensa que se tem ganho; mas se não tem o ponto de vista do amor, a ideia de recompensa nunca lhe passará pela cabeça.

O grande paradoxo da recompensa cristã é esta: A pessoa que anda buscando uma retribuição, e que calcula o que se lhe deve, não recebe; A pessoa cuja única motivação é o amor, e que nunca pensa haver merecido no que faz é o que recebe. O curioso é que a recom­pensa é ao mesmo tempo um subproduto e uma etapa final da vida cristã.

 

A recompensa cristã

Agora devemos passar a perguntar: Quais são as recom­pensas da vida cristã?

1. Comecemos sinalizando uma verdade básica e geral. Se temos visto que Jesus Cristo não pensa em termos de bênção material absoluta, o que recebemos na vida cris­tã são recompensas somente para uma pessoa que tenha mentalidade espiritual? Para uma pessoa de mentalidade mate­rialista não seria bênção de qualquer classe. As recompen­sas cristãs são só para os cristãos.

2. A primeira dádiva cristã é a própria satisfação. Fazer o que é devido, a obediência a Jesus Cristo, e seguir Seu caminho, qualquer que queira outras coisas poda apostar, sempre produz satisfação. Bem pode ser que, se uma pessoa faz o que é devido, e obedece a Jesus Cristo, perca sua fortuna e sua posição, acabe no cárcere ou num patíbulo, e não consegue mais que impopularidade, solidão e descrédito; mas todavia possuirá essa íntima satisfação, que vale mais que tudo. A isto não se pode colocar preço; não se pode avaliar em termos de riqueza terrena, mas não há nada como Ele em todo mundo. Esse contentamento é a coroa da vida.

O poeta George Herbert formava parte de uma pequena roda de amigos que se reuniam para tocar instru­mentos musicais como uma pequena orquestra. Uma vez ia a caminho para reunir-se com o grupo, quando se encontrou com um motorista que havia atolado seu carro no barro da estrada. George Herbert deixou de lado seu instrumento e foi ajudar o homem. Levou muito tempo para desatolar o carro, e acabou todo cheio de barro. Quando chegou a casa de seus amigos, já era demasiado tarde para o tocar. Contou o que havia detido em seu caminho. Um amigo lhe disse: Você perdeu toda música. George Herbert sorriu. E contestou: Eu a escutei no meio da noite. Tinha a satis­fação de haver feito algo de acordo com Cristo.

Godfrey Winn fala de um homem que era o melhor cirurgião plástico da Inglaterra. Durante a guerra, deixou sua consulta particular que lhe rendia dez mil libras esterlinas ao ano, uma grande quantidade monetária, para dedicar todo seu tempo a remo­delar os rostos e os corpos dos aviadores queimados ou mutila­dos em combate. Godfrey Winn disse: Qual é tua ambição, Mac? A resposta que veio foi: Quero ser um bom artesão. Seus rendimentos anuais não eram nada comparados com a satisfação de um trabalho desinteressado bem feito.

Uma senhora parou uma vez a Dale de Birmingham na rua. Que Deus lhe abençoe, doutor Dale, E disse. Ela se negou peremptoriamente a dar seu nome. Só lhe deu graças e lhe abençoou e seguiu seu caminho. Dale havia estado muito deprimido até aquele momento. Mas disse: A névoa se abriu e chegou a luz do sol; respirei o ar livre das montanhas de Deus. E quanto à riqueza material, não me atrai mais do que antes; mas quanto a profunda satisfação que sente um pregador que descobre que tem ajudado alguém, havia ganho uma riqueza indescritível.

A primeira recompensa cristã é a satisfação que não há dinheiro em todo mundo que se possa comprar.

3. A segunda recompensa da vida cristã é mais trabalho para fazer. Um paradoxo da ideia cristã da recompensa é que um trabalho bem feito não traz descanso, comodidade e facilidades; traz todavia maiores responsabilidades e esforços mais intensos. Na Parábola dos Talentos, a recompensa dos servos fiéis foi uma responsabilidade maior (Mt. 25: 14 a 30). Quando um mestre tem um estudante realmente brilhante e capaz, não lhe exime de trabalho; lhe dá mais trabalho que a nenhum outro. O jovem músico brilhante dá o domínio das peças de música, não as mais fáceis, mas as mais difíceis. O jogador que melhor joga mais se espera de seu desempenho. Os judeus tinham um ditado curioso. Diziam que um mestre sábio trataria o aluno como um boi novo em que se aumenta a carga todos os dias. A recompensa cristã é o contrário do mundo. A do mundo seria possuir e acumular bens cada vez mais fáceis; o cristão consiste em que Deus coloca sobre os ombros mais coisas para fazer por Ele e por seus semelhantes. Quanto mais duro o trabalho que nos dá, mais devemos considerar que tem sido a recompensa.

4. A terceira e última recompensa cristã é o que se chama através das eras a visão de Deus. Para uma pessoa mundana, que não se dedica a Deus, nenhum pensamento passa por sua cabeça de enfrentar-se com Deus ser um terror e não um gozo. Segue seu próprio caminho, queixando-se cada vez mais de Deus, a distância entre ele e Deus é cada vez maior, até que Deus se converte em um estranho a Quem quer evitar. Se uma pessoa tem buscado toda sua vida caminhar com Deus, procurado obedecê-Lo, se a bondade tem sido a busca de todos seus dias, então tem estado próximo cada vez mais e mais de Deus para toda vida, até que passa a sentir Sua presença mais íntima, sem temor e com gozo radiante, e esta é a maior recompensa de todas[1].

 

EXEGESE

A Esmola em segredo

1 - Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto a vosso Pai que está nos céus.

GUARDAI-VOS - Depois de ocupar-se da verdadeira justiça Mateus 5, Jesus passa agora a ocupar-se da aplicação prática da justiça aos deveres do cidadão do reino dos céus (Mt. 6). Os cristãos devem evitar fazer alarde de seus atos de culto e de caridade. Mediante três exemplos, atos caritativos versos 2 a 4, orações versos 5 a 8 e jejuns versos 16 a 18, Jesus contrasta algumas práticas conhecidas entre os judeus com os excelsos ideais do reino dos céus. (Mt. 5: 22; Mc. 2: 21 e 22)[2].

Continuando Sua resposta aos discípulos de João, Jesus disse uma parábola: Ninguém tira um pedaço de um vestido novo para coser em vestido velho, pois que romperá o novo e o remendo não condiz com o velho (Lc. 5: 36). A mensagem do Batista não devia ser entremeada com a tradição e a superstição. Uma tentativa de misturar as pretensões dos fariseus com a devoção de João, só tornaria mais evidente a ruptura em ambas. 

Nem podiam os princípios do ensino de Cristo ser unidos com as formas do farisaísmo. Cristo não cobriria a ruptura feita pelos ensinos de João. Tornaria mais distinta a separação ente o velho e o novo. Jesus ilustrou posteriormente este fato, dizendo: Ninguém deita vinho novo em odres velhos; doutra sorte o vinho novo romperá os odres, e entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão (Lc. 5: 37). Os odres de couro usados como vasos para guardar o vinho novo ficavam depois de algum tempo secos e quebradiços, fazendo-se então imprestáveis para tornar a servir ao mesmo fim. Por meio dessa ilustração familiar, Jesus apresentou a condição dos guias judaicos. Sacerdotes, escribas e principais se haviam fixado numa rotina de cerimônias e tradições. Contraíra-se-lhes o coração como os odres de couro a que Ele os comparara. Ao passo que se satisfazia com uma religião legal, era-lhes impossível tornarem-se depositários das vivas verdades do Céu. Julgavam a própria justiça toda suficiente, e não desejavam que um novo elemento fosse introduzido em sua religião. Não aceitavam a boa vontade de Deus para com os homens como qualquer coisa à parte deles próprios. Relacionavam-na com méritos que possuíam por causa de suas boas obras. A fé que opera por amor e purifica a alma, não podia encontrar união com a religião dos fariseus, feita de cerimônias e injunções de homens. O esforço de ligar os ensinos de Jesus com a religião estabelecida seria em vão. A verdade vital de Deus, qual vinho em fermentação, estragaria os velhos, apodrecidos odres das tradições farisaicas. 

Os fariseus julgavam-se demasiado sábios para necessitar instruções, demasiado justos para precisar salvação, muito altamente honrados para carecer da honra que de Cristo vem. O Salvador deles Se desviou em busca de outros que recebessem a mensagem do Céu. Nos ignorantes pescadores, no publicano na alfândega, na mulher de Samaria, no povo comum que O escutava de boa vontade, encontrou Ele Seus novos odres para o vinho novo. Os instrumentos a serem usados na obra evangélica, são as almas que recebem com alegria a luz a elas enviada por Deus. São esses Seus instrumentos para a comunicação do conhecimento da verdade ao mundo. Se, mediante a graça de Cristo, Seu povo se torna odres novos, Ele os encherá de vinho novo. 

O ensino de Cristo, conquanto representado pelo vinho novo, não era uma nova doutrina, mas a revelação daquilo que fora ensinado desde o princípio. Mas para os fariseus a verdade perdera sua original significação e beleza. Para eles, os ensinos de Cristo eram, em quase todos os respeitos, novos; e não eram reconhecidos nem confessados. 

Jesus mostrou o poder dos falsos ensinos para destruir a capacidade de apreciar e desejar a verdade. Ninguém, disse Ele, tendo bebido o velho quer logo o novo, porque diz: Melhor é o velho (Lc. 5: 39). Toda a verdade dada ao mundo por meio de patriarcas e profetas resplandeceu com nova beleza nas palavras de Cristo. Mas os escribas e fariseus não tinham nenhum desejo quanto ao precioso vinho novo. Enquanto não se esvaziassem das velhas tradições, costumes e práticas, não tinham, na mente e no coração, lugar para os ensinos de Cristo. Apegavam-se às formas mortas, e desviavam-se da verdade viva e do poder de Deus[3].

         VOSSA JUSTIÇA - Literalmente: Fazer vossa justiça; variante: Dar esmolas, isto é, praticar as boas obras que tornam o homem justo diante de Deus. Na opinião dos judeus, as principais obras eram a esmola (2 a 4), a oração, (5 a 6) e o jejum (16 a 18)[4].

A palavra grega dikaiosún, aqui traduzida como justiça, significa piedade. Os três exemplos que se dão: esmolas, orações e jejuns, se apresentam para explicar o princípio que se trata neste verso

As três ilustrações que se dão representam as três formas mais comuns de justiça farisaica. Deve destacar-se que Jesus de nenhum modo se opôs aos atos religiosos; só se preocupava de que fossem impelidos por motivos puros e se realizassem sem ostentação[5]

DIANTE DOS HOMENS - Como em desfile ante eles com o propósito de chamar a atenção e admiração ver comentário verso 2[6]

PARA SERDES VISTOS - Grego: theáomai, contemplar, olhar. A palavra teatro provem desta mesma raiz. As ações piedosas realizadas diante dos homens, para serem, vistos por eles tinham o propósito de ganhar a adulação deles[7]

A VOSSO PAI - Literalmente: do lado de vosso Pai ou na presença de vosso Pai[8].

 

O CORRETO POR UM MOTIVO ERRÔNEO

Guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles. Do contrário, não recebereis recompensa junto a vosso Pai que está nos céus. (Mt. 6: 1).

Para os judeus, haviam três grandes obras prioritárias na vida religiosa, três grandes pilares sobre que se assentava uma vida boa: a esmola, a oração e o jejum. Jesus não havia discutido nem por um momento; o que Lhe desabonava era que na vida humana as coisas mais autên­ticas se fazem por motivos falsos.

O que parece estranho é que, estas três grandes boas obras prioritárias se prestem tão facilmente por motivos errôneos. Jesus advertia que, quando estas coisas se fazem com a única intenção de dar glória ao que pratica, perde muito a parte mais importante de seu valor. Pode ser que uma pessoa dê esmola, não realmente para ajudar ao próximo, mas simplesmente para demonstrar sua própria generosidade, e para reforçar um agradecimento de alguém e receber louvor de muitos. Pode ser que uma pessoa tenha feito uma oração de tal maneira que sua oração não vá dirigida realmente a Deus, mas a seus semelhantes. Fazer oração era simplesmente um intento para demonstrar sua piedade excepcional de maneira que nada deixasse de dar conta. Pode ser que uma pessoa jejue, não realmente para o bem de sua alma, nem para humilhar-se diante de Deus, mas simplesmente para mostrar ao mundo como esplen­didamente disciplinada e sacrificada que ele é. Pode ser que uma pessoa tenha boas obras simplesmente para ganhar louvores das pessoas, para aumentar seu próprio prestígio e para mostrar ao mundo o quão bondoso ele é.

Segundo Jesus, não há dúvida de que esta classe de pessoas recebem certa classe de reconhecimento. Três vezes Jesus usa a frase: De certo vos digo que já receberam sua recompensa. (Mt. 6: 2). Seria melhor traduzida: Já tem recebido seu pagamento completo. A palavra no original é o verbo apejein, que era o termo técnico comercial e contábil para receber um pagamento total. Era a palavra que se usava para preencher os recibos. Por exemplo, um homem firma o recibo que dá a outro: Ele recebeu apejô o pagamento de qualquer bem. Um publicano dá um recibo que escreve: Eu recebi apejô de ti pelo imposto devido. Um homem vende um escravo e dá um recibo que diz: Eu recebi apejô o preço total que se me devia.

O que Jesus está dizendo é o seguinte: Se der esmola para fazer gala da tua própria generosidade, receberás a admira­ção das pessoas, porém isto não será recebido nunca no céu. Isto será tua paga total. Se fazes oração de tal maneira que demonstre tua piedade a vista das pessoas, ganharás uma repu­tação de ser uma pessoa extremamente devota, porém isto nunca será reconhecido por Deus. Se jejuas de tal maneira que todas as pessoas se admiram de tua prática, te conhecerão como uma pessoa extremamente abstêmia e ascética, porém isto não será aceito nunca. Jesus está dizendo: Se tudo o que te propões é conseguir reconhecimento do mundo, não cabe dúvida de que conseguirás, porém não deves esperar as recompensas que só Deus pode dar. E seria uma lástima e miopia que se apegasse aos méritos do tempo, e deixasse escapar as bênção da eternidade[9].

 

O Quarto Passo

Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto de vosso Pai celeste. (Mt. 6: 1).

Com Mateus. 6: 1 chegamos a outro dos grandes versos de transição do Sermão do Monte. Estudamos o capítulo 5 de Mateus. Esse capítulo nos apresen­tou três grandes elementos na formação de uma vida cristã. O primei­ro foram as Bem-aventuranças (Mt. 5: 3 a 12), que representam os tra­ços de caráter que todo cristão deve ter. O segundo foi o testemunho cristão, dos versos 13 a 16. Depois, o ensino extremamente valio­so dos versos 17 a 48, nos quais Jesus apresentou em detalhes a jus­tiça cristã.

Em Mateus 6 Jesus continua, aparentemente, a falar sobre a justi­ça cristã. Mas, enquanto Mateus 5: 17 a 48 trata da justiça moral, a pri­meira metade do capítulo 6 apresenta o que se poderia chamar de jus­tiça religiosa.

A primeira parte do capítulo trata de três áreas da piedade pessoal: a esmola, a oração e o jejum. Visto serem esses atos comuns na pieda­de judaica, Jesus utiliza essas áreas para ilustrar princípios aplicáveis a todos os atos da piedade religiosa. Esses três atos exemplificam mais a piedade do que uma exaustiva lista de práticas cristãs.

Note que Jesus não ordena essas atividades. Ele simplesmente diz: Quando deres esmola..., Quando orares... Supõe-se que esses atos sejam praticados pelos cidadãos do reino dos Céus. Esse é um fato curioso, já que uma de Suas três ilustrações, o jejum, caiu em desuso entre os cristãos evangélicos, sendo até mesmo considerado, por alguns, perversão da Idade Média.

Orar, jejuar e dar esmolas. O que têm eles em comum? Todos são ilustrações de atos de piedade; todos são atos devocionais que os cris­tãos praticam em seu relacionamento com o Deus do Céu. Essa é a ra­zão por que devemos pensar em Mateus 6: 1 a 18 como a piedade do cristão.

Ao procurarmos praticar os importantes atos de devoção, que in­tegram a vida cristã, dá-nos hoje a Tua ajuda, ó Pai[10].

 

Está Jesus Se Contradizendo?

Nisto é glorificado Meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis Meus discípulos (Jo. I5: 8).

Jesus me deixa confuso. Em Mateus 5: 16, Ele me diz para deixar minha luz brilhar, a fim de que os outros vejam minhas boas obras e glorifiquem ao Pai celestial. Agora, em Mateus 6: 1, Ele me diz para evitar praticar minha piedade diante dos outros, com a finalidade de ser visto por eles.

Estou confuso! Acaso dar aos pobres não é uma boa ação? Como posso esconder minha luz e fazê-la resplandecer ao mesmo tempo? Embora, superficialmente, esses dois versos pareçam contraditórios entre si, são na verdade ensinos complementares. O tema abordado em Mateus 5: 16 é o testemunho público, ao passo que a oração, a esmola e o jejum são devoções pessoais.

Mais importante ainda: o objetivo de Mateus 5: 16 é a glória de Deus, enquanto as falsas práticas de piedade do capítulo 6 visam à glo­rificação de seus praticantes. Segundo esse critério, elas merecem con­denação, visto que toda adoração e todo ato da vida cristã devem ter o propósito de honrar a Deus.

Os cristãos devem viver de tal maneira que as pessoas, ao olharem para eles, glorifiquem a Deus. Um cristão não pratica nenhum ato de adoração para ser visto ou admirado pelos outros. Frederick Dale Bru­ner declara belamente o sutil equilíbrio entre Mateus 5: 16 e 6: 1, quan­do escreve: É correto praticar boas obras de um modo que, quando as pessoas as virem, pensem em Deus; é errado praticar boas obras de um modo que, quando as pessoas as virem, pensem em nós.

Isto não é uma coisa fácil de fazer. Todos somos tentados a amar a nós mesmos de maneiras não muito saudáveis. Graças à maneira franca de Jesus falar, sabemos que precisamos ser cuidadosos quanto à nossa os­tentação espiritual. E assim, ao anunciarmos diante da igreja que, na se­mana passada, Deus fez alguma coisa grandiosa em favor de alguém, por intermédio do nosso testemunho, garantimos que o humilde instru­mento de Deus nossa pessoa ganhe destaque. Os demais rapidamente entenderão a estratégia e dirão para si mesmos: Dou graças a Deus por­que não sou como esse. E com um único golpe caímos no mesmo poço de farisaísmo. Dar realmente a Deus a glória constitui um ato de graça[11].

 

2 - Por isso quando deres esmola não te ponhas a trombetear em público, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o propósito de serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo. Já receberam sua recompensa.

TROMBETAR - Tocar trombetaNão se sabe se deve entender literalmente esta ilustração de Jesus: se quem dava esmolas fazia soar trombetas para chamar o atendimento a sua caridade, ou se deve entender como uma figura de dicção. Na literatura hebraica não aparece nenhum caso no qual se tenha feito isto, mas aparece na literatura de outros antigos países orientais. A primeira vista, poderia parecer que as palavras como fazem os hipócritas sugeririam que Jesus estava referindo a um fato literal. No entanto, os hipócritas também poderiam ter feito soar trombetas simbólicas. Cristo repreende o mau de dar grande publicidade aos atos caritativos[12].

         HIPÓCRITAS - No pensamento de Jesus, esse epíteto, que visa a todos os falsos devotos que apresentam uma piedade afetada e ruidosa, aplica-se especialmente a seita dos fariseus (Mt. 15: 7; 22: 18; 23: 13 -15). Entre os judeus o termo grego hypockrités que traduz no hebraico hameph não designa apenas o homem de piedade fingida e exibicionista, mas de modo geral o homem de caráter pervertido e mau, o ímpio em suma[13].

Grego: hupokrités provem de um verbo que significa fingir, dissimular. Os judeus atendiam aos necessitados com contribuições impostas aos membros da comunidade segundo cada um pudesse pagar. Os fundos assim conseguidos eram aumentados por meio de doações voluntárias. Se faziam pedidos especiais nas reuniões religiosas públicas nas sinagogas, ou em reuniões ao ar livre que costumavam realizar nas ruas. Nestas ocasiões, as pessoas se sentiam tentadas a prometer grandes somas de dinheiro para conseguir o louvor dos que estavam ali reunidos. Também se acostumavam permitir que o que tivesse contribuído com uma soma excepcionalmente grande se assentasse num lugar de honra junto aos rabinos. 

Com demasiada frequência, o desejo de ser louvado era o objetivo desses donativos. Ocorria que muitos prometiam grandes somas, mas depois não cumpriam suas promessas. A referência que Jesus fez à hipocrisia sem dúvida incluía também esta forma de fingimento[14]

JÁ RECEBERAM SUA RECOMPENSA - Já têm sua recompensaO grego faz ressaltar a ideia de que já receberam plenamente sua paga. O verbo grego que aqui se traduz têm aparece com frequência em recibos escritos em antigos papiros gregos onde significa cancelado ou recebido. Jesus disse que os hipócritas já tinham recebido tudo o que teriam de receber. Praticavam a caridade como uma transação estritamente comercial, mediante a qual esperavam comprar a admiração pública; não se preocupavam por aliviar a desgraça do pobre. Essa recompensa seria a única que teriam de receber[15] 

 

Repetição: Uma Lei de Aprendizagem

Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa (Mt. 6: 2).

Três vezes no capítulo 6 Jesus utiliza o mesmo padrão para atin­gir Seu objetivo. Ele sabia que a mente humana enfraquecida pelo pe­cado precisa ouvir as coisas mais de uma vez para assimilar uma lição. E Jesus é o mestre por excelência.

Repare no Seu estilo. Primeiro, Ele delineia o princípio geral no verso inicial: Não pratique atos piedosos para ser visto pelos ou­tros. Os que assim procedem não receberão outra recompensa a não ser sua própria atitude egocêntrica. Depois, Ele passa a ilustrar essa lição principal a respeito da esmola versos 2 a 4, da oração versos 5 e 6 e do jejum versos 16 a 18.

Todas as três ilustrações seguem o mesmo padrão. Primeiro, vem a descrição da falsa forma de piedade, que se concentra na exibição pú­blica da santidade do adorador. Por causa de sua falsa motivação pois adoram a si mesmos ou chamam a atenção para si mesmos, em­bora afirmem estar adorando a Deus e chamando a atenção para Ele, Jesus os chama de hipócritas em todas as três ilustrações.

A palavra hipócrita, no grego, era usada para designar um ator no palco. Ora, há um aspecto positivo em ser ator. Afinal de contas, uma pessoa honesta pode representar o papel de outra com sentimen­to e exatidão. Mas o que Jesus tem em mente é o sentido negativo da palavra. No sentido negativo, o palco é um mundo de farsa e os atores são os que enganam. Naqueles dias os atores usavam máscaras no ros­to; as máscaras escondiam megafones para que os atores pudessem ser ouvidos. Assim, o hipócrita é alguém que usa um rosto falso. Ele finge honrar a Deus, embora esteja realmente honrando a si mesmo. Essas pessoas já receberam a sua recompensa.

A segunda metade de cada ilustração sugere a maneira apropriada de cumprir a obrigação. Em cada caso, a ideia central é a de que a motiva­ção para a devoção deve fundamentar-se mais no relacionamento da pessoa com o Pai do que no desejo de aparentar bondade. As três ilus­trações terminam com a afirmação de que Deus recompensará os fiéis[16].

 

A Questão das Recompensas

Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma? Porque o Filho do homem há de vir na glória de Seu Pai, com os Seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras (Mt. 16: 26- 27).

Conta-se a história de um homem que descia por uma estrada levando um balde de água numa das mãos e um balde de fogo na ou­tra. Ao lhe perguntarem o que ele iria fazer com esses dois baldes, ele respondeu que iria incendiar o Céu com o balde de fogo e inundar o inferno com o balde de água. Seu interesse não estava nem numa nem noutra coisa. Afirmava que sua razão para ser cristão era mais profun­da do que as recompensas. Pregava a bondade somente por amor à bondade. Concluía que toda a ideia de recompensa não era cristã.

Muitas pessoas acham detestável a ideia de recompensas para a piedade pessoal. Contudo, a passagem que vai de Mateus 6: 1 a 18 de­clara repetidamente que os que são fiéis em secreto, serão recompen­sados. Ao que parece, Jesus nunca achou que o tema fosse tão detestá­vel quanto alguns de Seus seguidores.

Uma razão por que as pessoas parecem ser contra a ideia de recom­pensa para a piedade pessoal, é que a princípio isto parece comunicar a ideia de salvação por mérito. Mas esse raciocínio deixa de levar em consideração o fato de que o Sermão do Monte é dirigido aos que já estão salvos. Repetidas vezes nesses capítulos, Jesus fala àqueles que se dirigem a Deus como Pai. Eles já pertencem à família de Deus.

Assim, seus atos de devoção não são atos meritórios para entrar no reino, mas reações de amor e adoração por já estarem dentro dele.

Jesus não tinha problema com a ideia de Céu ou de inferno. Fala­va repetidas vezes de ambos, como os respectivos resultados das esco­lhas que as pessoas fazem ao longo da vida. A escolha mais importan­te que podemos fazer é decidir quem será o Senhor da nossa vida. É bastante apropriado almejar nossa bendita recompensa[17].

 

A Recompensa do Cristão

Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que O amam 1Ct. 2: 9).

Um menininho sentou-se silenciosamente num trem do Oeste. Era um dia quente, poeirento e bastante desconfortável para os viajan­tes. Na verdade, era o dia mais desinteressante de toda a viagem. Mas o pequenino sentou-se e ficou a observar pacientemente os campos e cercas que passavam em rápida sucessão, até que uma senhora idosa e maternal se inclinou sobre ele e perguntou compassivamente:

Você não está cansado da longa viagem, querido? Não está can­sado da poeira e do calor?

O jovenzinho levantou os olhos que brilhavam e replicou com um sorriso: Sim, estou. Mas não me importo, pois sei que meu pai vai me en­contrar no fim da viagem.

Este é um belo pensamento. Não importa quão monótona, desani­madora ou mesmo dolorosa seja a vida, como cristãos temos alguém à nossa espera no fim de nossa jornada terrena. Nosso Pai nos espera. Es­se é o nosso incentivo. É essa promessa que nos faz prosseguir. Nosso Criador nos encontrará, trazendo consigo a Sua recompensa. Mas en­quanto os cristãos esperam a recompensa final, não devem passar por al­to as recompensas diárias da vida cristã. Primeiro, temos a certeza de es­tar fazendo as coisas certas. Isso dá aos cristãos paz mental inigualável.

Segundo, já agora desfrutamos da recompensa de ajudar outras pes­soas. Essa é uma satisfação que vale mais do que ouro ou prata. Como cristãos, precisamos conscientemente criar oportunidades para mais bênçãos decorrentes da caridade.

Uma terceira recompensa atual para o trabalho fiel ao Senhor é ain­da mais trabalho. Essa é uma das grandes lições da parábola dos talentos. Aqueles que realizaram muita coisa terão o privilégio de serviço mais amplo à medida que se tornam mais e mais semelhantes ao seu Mestre.

Nosso Pai, ao pensarmos em nossa recompensa cristã tanto neste mundo como no mundo vindouro, pedimos uma renovada porção de Tua graça para que continuemos a ser recipientes de Tuas bênçãos[18].

 

Honrar a Quem?

Eu não aceito glória que vem dos homens. ... Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único? (Jo. 5: 41- 44).

Uma das escolhas decisivas da vida é a quem queremos honrar: a Deus ou a homens? A quem buscamos agradar? De quem buscamos o aplauso? O que estamos dispostos a fazer para receber esse favor ou ou­vir esse aplauso?

Estas são perguntas um tanto chocantes, porque se aproximam do centro do que somos e de como vivemos nossa vida diária.

Todos sabemos a resposta certa para essas perguntas. Devemos ser como Jesus, que não dava a mínima para o aplauso humano, mas valo­rizava apenas a aprovação do Pai.

O problema é que não somos Jesus. Todos, com demasiada frequên­cia, olhamos por sobre os ombros para ver os que os outros pensam de nós. Como cristãos, sabemos que não devemos andar atrás do aplauso mundano que poderíamos obter em Hollywood ou a glória que podería­mos receber como presidente da General Motors. Obviamente, reco­nhecemos que não é o sucesso que está errado, mas o atrair a atenção para nós mesmos como os supostos responsáveis por esse sucesso.

Como cristãos, geralmente conseguimos ver além dessa espécie de orgulho mundano. Na maioria dos casos, esse não é o nosso problema. Mas temos um equivalente espiritual disso. Contendemos com o orgu­lho espiritual e eclesiástico.

Veja que grande evangelista sou eu! Que brilhante sermão eu pre­guei! Contribuo mais com a igreja que qualquer outra pessoa! Por que vocês não podem apenas ser humildes como eu?

Moral da história: São infinitas as formas pelas quais podemos bus­car honra dos outros ou até de nós mesmos. Este é o problema contra o qual os fariseus lutavam. E Jesus quer que nossa justiça, mesmo nes­sas áreas da vida, exceda a dos escribas e fariseus. Mas se isso aconte­cer, por favor não faça alarde nem chame a atenção para isso. Minha suposição é a de que, se já chegamos onde devíamos estar em nossa vi­da cristã, não saberemos sequer que chegamos, porque Deus será tudo e reconheceremos que sem Ele nada somos[19].

 

Não se Pode Enganar a Deus

Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está descoberto e exposto diante dos olhos Daquele a quem havemos de prestar contas (Hb. 4: 13).

O bolo estava horrível. Na verdade, foi o pior bolo que já pro­vei na minha vida. Esse era o problema. Afinal de contas, fora feito es­pecialmente para meu aniversário pela minha noiva. E eu não podia ferir os sentimentos dela, mas com toda a certeza eu não conseguiria comer aquilo.

Felizmente, no dia seguinte a meu aniversário, ela foi para a casa da irmã dela por uns dias, deixando o resto do bolo comigo. Mas ago­ra aqueles dias haviam terminado. Em poucas horas, ela voltaria e eu seria apanhado.

Talvez, pensava eu, eu pudesse atirar o bolo no matagal do terreno baldio em frente. Mas, com o azar que eu tenho, ela passaria por aque­le terreno e iria para casa com o bolo nos sapatos. Isso não iria funcio­nar. Jogar no lixo, também não. Algumas migalhas delatoras grudadas no fundo do cesto seriam a minha ruína.

Finalmente tive uma ideia! Por que não pensara nisso antes? Peguei o bolo e andei na ponta do pé até o banheiro. Com a porta fechada, quebrei rapidamente o bolo em pequenos pedaços, lancei-os no vaso sanitário, puxei a descarga e fiquei assistindo a um potencial desastre de família escoar para o esquecimento.

Finalmente livre! Que sentimento maravilhoso! Minha jovem noiva ficou encantada ao saber que eu havia apreciado o bolo.

A lição é simples: Você pode enganar algumas pessoas por algum tempo.

Naturalmente, o que funciona com as pessoas não funciona com Deus. Ele vê não somente a ação, mas também o motivo por trás da ação. Ele quer tomar hoje minha vida, meu coração, e purificá-los. Ele quer ir mais fundo do que as coisas que faço, Ele quer mudar a razão por que faço as coisas, ainda que sejam coisas cristãs. Ele quer que eu O adore somente porque Ele é o Senhor da minha vida.

Senhor, ajuda-me hoje em minhas lutas íntimas. Ajuda-me não apenas a fazer as coisas certas, mas a fazê-las pelas razões certas[20].

 

3 - Tu, porém, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.

QUANDO DERES ESMOLA - Emprega-se aqui o pronome tu. Jesus se dirigia a cada membro do grupo em forma pessoal. Com referência à responsabilidade do rico para com o pobre segundo se a apresenta na lei de Moisés.

Comentário: Êxodo 22: 25 - UsuraHoje em dia geralmente esta palavra implica uma taxa de juro exorbitante. 

Nos dias de Moisés, a palavra assim traduzida significava qualquer quantidade de interesse, grande ou pequeno. A taxa de juro que um agiota podia cobrar não estava então regulado pela lei, e podia esperar-se que os agiotas sem consciência tratassem implacavelmente a quem se achassem em circunstâncias difíceis. A lei mosaica, ao proibir a usura, ocupava-se exclusivamente dos casos quando se aproveitava de um irmão que se tinha empobrecido, é dizer, que se achava em apuros econômicos. Em tais circunstâncias, um pobre podia empenhar sua propriedade (Lv. 25: 35-38), conseguir um empréstimo se lhe era possível (Lv. 25: 35-37) ou vender-se a seu merecedor por um período limitado de tempo (Lv. 25: 39- 41). Se podia fazê-lo, requeria-se que o irmão do pobre lhe concedesse o empréstimo necessário sem interesse Deuteronômio 15: 7 a 11. Em nenhuma circunstância devia aproveitar-se de seu irmão pobre cobrando-lhe quantidade alguma de interesse. A lei mosaica protegia minuciosamente os direitos do pobre e tinha em conta seu bem-estar. 

No tempo de Moisés, as transações comerciais não eram como as atuais. Em termos gerais, um homem dependia de seus próprios recursos para suas operações comerciais e se pedia e se dava pouco dinheiro emprestado em comparação com o que se faz hoje. Na prática, só um irmão que tinha empobrecido pedia dinheiro emprestado. Portanto, pareceria que longe de condenar as transações comerciais comuns, que implicam emprestar dinheiro ou tomá-lo prestado, as leis de Moisés nem sequer se ocupam delas. Parece que Cristo aprovou o princípio de obter ganhos, o que inclui interesses sobre empréstimos, nas transações comerciais regulares (Mt. 25: 27; Lucas 19: 23

Tem validez em nossos dias o princípio inerente na lei de Moisés quanto à usura, de não se aproveitar de alguém que esteja acossado por circunstâncias adversas. Nunca se deve exigir de outro mais do que o que é justo, seja pobre ou rico. É o espírito de avareza, de extorsão, de um proceder rígido e a paixão pelo ganho, mesmo com prejuízo para outros, o que é condenado. Devemos nos compadecer das necessidades dos outros, e nunca prestar ouvidos surdos a seu clamor nem aproveitar-nos deles quando fazem frente a dificuldades[21].

Comentário: Levítico 25: 25. Quando teu irmão empobreciaEssa legislação favorecia ao pobre e o animava a trabalhar para recuperar sua propriedade. Deus procurava impedir que alguns chegassem a ser muito ricos e os outros muito pobres. Se tivesse seguido o plano original de Deus para a terra e a servidão, não se tivessem conhecido situações de extrema riqueza nem de extrema pobreza[22].

Comentário: Levítico 25: 35. Quando teu irmãoDevia ajudar-se ao irmão, ao estranho ou ao forasteiro que necessitasse. O que estivesse em situação privilegiada não devia cobrar usura do irmão pobre, nem obter ganho do alimento que lhe vendesse (Êx. 22: 25). Desse modo se mostra novamente o cuidado de Deus para os pobres. Deus tinha livrado a Israel de Egito e estava a ponto de levá-lo à terra de Canaã. Bem como eles tinham recebido tanta bondade, Deus desejava que fossem bondosos com os desafortunados (Mt. 10: 8). Só assim poderiam receber a aprovação divina[23].

Comentário: Deuteronômio 15: 7. Pobre. Literalmente, um necessitado. A pobreza parece que sempre existiu Deuteronômio 15: 11; (Mt. 26: 11. No entanto, pode fazer-se muito por reduzir e aliviar os sofrimentos que acompanha. Sempre que tenha entre os homens diversidade de talentos, terá alguns necessitados de ajuda. Os membros da igreja poderiam ocupar-se muito mais dos menos favorecidos, sem deixar de fazer evangelismo público. 

Nem fecharás tua mãoVerbo que se traduz fechar também significa retirar. É como se um homem pusesse as mãos nos bolsos, ou detrás das costas, recusando a estendê-las num gesto de generosidade. Em I João 3: 17 o apóstolo João diz: Mas o que tem bens deste mundo e vê seu irmão ter necessidade, e fecha contra ele seu coração, como mostra o amor de Deus nele? A resposta evidente é que o amor divino não pode morar no coração de tal pessoa[24]

Comentário: Deuteronômio 15: 11. Não faltarão. Cristo faz referência a isto em Mateus. 26: 11. Nunca cessará a necessidade de demonstrar generosidade e caridade cristãs. Tiago 2: 5. diz que os pobres são os que Deus elegeu para si. Os pobres necessitados têm direito a reclamar a ajuda dos que têm meios e deve dar ajuda que precisam, não de má vontade, mas liberalmente, A aparente contradição entre este verso e o verso 4 se deve a que no verso 4 se contempla o resultado da cooperação com o plano aqui exposto. Mas nunca chegaria o momento quando não tivesse oportunidade de ajudar a algum semelhante. 

Abrirás tua mãoUsa-se aqui a forma enfática hebraica: Certamente abrirás tua mão. A forma deste verbo significa a entrada de uma loja (Gn. 18: 1, 2, 10), de uma casa habitação (Êx. 12: 22), do tabernáculo (Êx. 38: 8), e da casa do rei (2Sm. 11: 9). Abrir a mão implica, portanto, compartir os bens do lar[25].

TUA MÃO ESQUERDA - Diz-se que entre os árabes, ambas as mãos, à esquerda e a direita, representam os amigos íntimos. Jesus disse que não tinha necessidade de que os amigos, nem sequer os mais íntimos, se inteirassem dos atos piedosos de alguém. Nesta figura de dicção, Cristo emprega uma hipérbole para dar ênfase. Não quer dizer que sempre tem de dar-se esmolas em segredo absoluto. Paulo louvou a generosidade dos cristãos macedônios (Fp. 4: 16)e escreveu aos coríntios que seu zelo tinha estimulado a muitos a que fossem ativos na causa de Deus (2Ct. 9: 2). O que Jesus diz é que os cristãos não devem realizar atos caritativos a fim de conseguir o louvor e a homenagem dos homens[26].

 

Dar Como Jesus Deu

Mas quando você der esmola, que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo à direita, deforma que a sua ajuda seja prestada em segredo. E seu Pai, que vê o que é feito em segredo, o recompensará. (Mt. 6: 3 e 4).

Foi realmente muito desagradável.

A igreja estava no meio de uma campanha de construção, e o pas­tor, postado na frente, fazia um apelo por uma oferta pública. Quem dará 2.000 dólares? gritava ele com entusiasmo. Aqueles que estive­rem dispostos a dar 2.000 dólares, por favor, fiquem de pé! Um irmão se levantou, e todos os olhos se voltaram para ver quem havia dado tão grande contribuição. Ali estava ele, de pé, com um sorriso de orelha a orelha, agitando o talão de cheques acima da cabeça.

E ali estava eu, sentado como frequentador mais ou menos regular de uma congregação adventista, da qual me recusava fazer parte. Como visitante não cristão, fiquei consternado. Naquela época eu ainda não havia lido meu NT todo, mas o havia feito até Mateus 6. Por que, indagava eu, a igreja que afirma ter a verdade precisava empregar métodos antibíblicos de levantamento de fundos? Será que a igreja, para captar recursos, precisa manipular a vaidade óbvia de um irmão exibido como aquele que ficou de pé? Por que será que ele esta­va contribuindo? Por que o pastor estava usando aquele método?

Gostaria de poder dizer que aquela foi a última vez que vi essa téc­nica sendo usada. Lamentavelmente, é mais fácil apelar para a vaida­de do que para a dedicação. Sem dedicação, porém, a doação não va­le nada.

A boa nova é que não somos obrigados a corresponder a essas tá­ticas. E se estamos seguindo a Jesus, não as usaremos nem correspon­deremos a elas. Jesus disse que devemos praticar nossas boas ações de maneira anônima, tendo só a Deus por testemunha.

Ao dizer isto, Ele estava dando um golpe, não nas bordas do pro­blema do pecado, mas no seu próprio centro. Deus quer que entregue­mos a Ele nosso coração. Na verdade, Ele quer que todas as ações cris­tãs que praticarmos procedam de um coração que O ama de maneira suprema.

Dar é agir como Deus, que deu Seu Filho. Ele quer que imitemos Sua pessoa caridosa, mas deseja que o façamos pelo motivo correto[27].

 

A Obra Duas Vezes Bendita

Pois nunca deixará de haver pobres na terra; por isso, eu te ordeno: livremente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre na tua terra ( Dt. 15: 11).

A obra de beneficência, é duas vezes bendita. Enquanto aquele que dá ao necessitado be­neficia a outros, é ele próprio beneficiado em medida ainda maior. A graça de Cristo no coração desenvolve traços de caráter opostos ao egoísmo; traços que refinarão, enobrecerão e enriquecerão a vida. Atos de bondade praticados em segredo, ligarão corações entre si, unindo-os mais estreitamente ao coração Daquele de quem provém todo generoso impulso. As pequeninas atenções, os pequenos atos de amor e sacrifício, os quais emanam da vida tão suavemente como o aroma se desprende da flor, constituem parte importante das bênçãos e felicidade da vida. E verificar-se-á por fim que a negação do próprio eu para o bem e a felicidade dos outros, embora humilde e não louva­da aqui, é reconhecida no Céu como o sinal de nossa união com Ele, o Rei da glória, que era rico, e contudo Se tornou pobre por amor de nós. O Maior Discurso de Cristo, pp. 82 e 83.

A obra duas vezes bendita. Que pensamento primoroso! Ao ajudar silenciosamente aos outros, estamos ajudando a nós mesmos. Estamos desenvolvendo nosso caráter. Estamos nos tornando mais parecidos com o Deus que foi tão generoso para conosco. E durante o processo, estamos ajudando alguém que verdadeiramente precisa de ajuda.

O ministério da ajuda silenciosa exerce influência sobre nossa pró­pria vida. E parte do processo pelo qual Deus toma pessoas egoístas e as transforma à Sua imagem.

Não é, porém, um processo natural. Longe disso. O natural para nós é reter o que é nosso e construir casas cada vez maiores e comprar carros cada vez mais luxuosos. Ou se damos algo, achamos que deve­mos ter ao menos um edifício ou uma sala com o nosso nome, como lembrança de nossa generosidade.

Prestar ajuda em segredo é uma coisa muito diferente. Mas, dis­se Jesus, traz sua própria recompensa incomparável.

Ajuda-me, Senhor, a ser mais semelhante a Ti[28].

 

4 - Para que tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê no segredo te recompensará.

FIQUE EM SEGREDO - A Mishnah fala da câmara dos segredos, dentro do recinto do Templo, onde os piedosos podiam depositar suas dádivas em forma secreta e onde os pobres de boa família podiam ir procurar ajuda para defrontar a suas necessidades quando não tivessem outros recursos Shekalim 5: 6[29].

VÊ NO SEGREDO - Deus vê as intenções secretas do coração que movem à ação, e por essas intenções, e não pelas ações mesmas, os homens receberão louvor de Deus no dia do juízo (1Ct. 4: 5; Rm. 2: 16)[30].

Em públicoA evidência textual favorece a omissão desta frase. A BJ traduz singelamente te recompensará. No dia posterior, a obra de cada um se fará manifesta (1 Ct. 3: 13 Mt. 25: 31 a 46; 1 Ct. 4: 5). Quando Cristo recompensará a cada um segundo suas obras (Mt. 16: 27; Ap. 22: 12). Os cristãos não devem pensar no galardão, senão no serviço[31].

 

COMO NÃO DAR

Por isso quando deres esmola não te ponhas a trombetear em público, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, com o propósito de serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo. Já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, Para que tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê no segredo te recompensará. (Mt. 6: 2 a 4).

Para os judeus, o dar esmola era o mais sagrado de todos os deveres religiosos. Até que ponto era sagrado se vê por este texto de que os judeus usavam a mesma palavra tsedaqá­ tanto para justiça como para esmola. O dar esmola e ser justo eram a mesma coisa. O dar esmola era ganhar méritos a vista de Deus, e era até ganhar propiciação e perdão dos pecados passados. É melhor dar esmola que amontoar ouro; a esmola livra da morte, e limpa todo pecado. Tobias 12: 8.

Pois a caridade feita a um pai não será esquecida, e no lugar de teus pecados ela valerá como reparação. Eclesiástico 3: 14

Havia um dito rabínico: Maior é o que dá esmola do que oferece todos os sacrifícios. A esmola está na cabeça e no catálogo das boas obras.

Assim é que era natural e inevitável que uma pessoa que quisesse ser boa se concentrasse em dar esmola. O ensino mais elevado dos rabinos era exatamente o mesmo que de Jesus. Também eles proibiam dar esmola ostensivamente. O que dá esmola em secreto, diziam, é maior que Moisés. O dar esmola que salva da morte é quando o doador não sabe de quem recebe, e quando o doador não sabe a quem dá. Houve um rabino que, quando queria dar esmola, deixava cair moedas após seus passos para não ver quem as recolhia. É melhor diziam não dar a um mendigo nada, antes que dar algo que o envergonhe. Havia um costume especial­mente encantador conectado com o Templo de Jerusalém. No Templo havia uma habitação que se chamava a Câmara do Silêncio. Os que queriam fazer expiação por algum pecado colocavam dinheiro ali; e pessoas pobres de boa família que haviam vindo ao Templo recebiam ajuda destas contribuições.

Porém como em tantas outras coisas, a prática se dava muito por orientação do preceito. O doador dava de forma que todo as pessoas pudessem ver o que dava, e dava muito com o objetivo de glória a si mesmo do que para ajudar o outro. Durante os cultos da sinagoga se faziam oferendas pa­ra os pobres, e havia alguns que se cuidavam muito bem de que fossem vistos como grandes doadores. J. J. Wetstein cita um cos­tume oriental dos tempos antigos: No Oriente, a água é tão escassa que algumas vezes havia que comprá-la. Quando uma pessoa queria fazer uma boa obra, e trazer bênção sobre sua família, se dirigia ao vendedor de água e em voz bem alta dizia: Dá um gole aos sedentos! E o comerciante de água buscava a água no mercado e dizia: Oh, sedentos gritava: vinde beber de graça! E o generoso estava a seu lado e dizia: Bendize-me, porque sou eu que te ofereço esta água. Esta é precisamente a classe de coisa que Jesus condena. Chama hipócritas aos que fazem tais coisas. A palavra hypokritês quer dizer ator em grego. Esta classe de gente são realmente farsantes que fazem seu papel para que recebam aplausos.

 

RAZÕES PARA DAR

Vejamos agora algumas das razões que existe por trás do ato de dar.

1.Pode se dar por um sentimento de dever. Pode ser que dê, não porque quer dar, mas porque pensa que é um dever do qual não se pode fugir. Pode ser que uma pessoa chegue a considerar, talvez inconscientemente, que os pobres estão no mundo para permitir a ele cumprir com este dever e adquirir assim méritos aos olhos de Deus.

Catherine Carswell, em sua autobiografia Lying Awake, con­ta seus anos em que esteve em Glasgow: Os pobres, poderia dizer, eram nossos animais de companhia. Decididamente, sempre estavam conosco. Em nossa vida particular, nos ensi­nava a amar, honrar e atender aos pobres. A nota chave, como ela mesma advertia, era de superioridade e condescendência. E dar se considerava como um dever; porém se enganava acompanhado de um sermão que produzia um prazer ao que dava. E naqueles dias, Glasgow estava cheio de bêbados nas noites de sábado. Ela escreve: Todos os domingos pela tarde, durante anos, meu pai fazia a ronda nas ruas das estações de polícia, pagando fianças de meias coroas para que soltassem os bêbados de fim de semana, para que não perdessem o trabalho de segunda pela manhã. Fazia firmar cada um o compromisso de devolver-lhe a me­ia coroa de seu salário da semana seguinte.

Não cabe dúvida de que aquilo estava muito bom; porém ele dava certo ar de respeitabilidade, e incluía um sermão. Estava claro que ele se sentia de uma categoria moral completamente diferente daqueles a quem dava. Se diz de um grande homem, porém superior: Com tudo o que dá, nunca se dá a si mesmo. Quando se dá, desde um pedestal; quando se dá sempre com certo cálculo; quando se dá por sentimento de dever, até por um sentimento cristão de dever, se pode ser generoso com as coisas, porém, nunca se dá é a si mesmo, e portanto este tipo de dar é incompleto.

2. Pode ser que dê por razões de prestígio. Ou dê para receber glória de dar. O mais provável é que nada o supera, se não se der nenhuma publicidade, não daria nada.

Se não dão graças e não reconhece com louvor e honra, se ofende. Oferta, não para a glória de Deus, mas para sua própria. Dá, não exclusivamente para ajudar uma pessoa necessitada, mas para gratificar sua própria vaidade e seu próprio sentido de poder.

3. Por um sentido de obrigação. Porque o amor e a amabilidade que flui de seu coração não lhe deixam fazer outra coisa. Por mais intencionado que seja, sente-se obrigado a ajudar ao necessitado.

O doutor Johnson difundia una atmosfera de amabilidade. Havia uma pobre criatura que se chamava Robert Levett, que havia sido camareiro em Paris e médico nos bairros mais pobres de Londres. Tinha uma aparência e uns modos, como dizia Johnson, que afastavam os ricos e aterravam os pobres. Chegou a formar parte da casa de Johnson. Boswell estava alucinado com este assunto, porém Goldsmith conhecia intimamente Johnson. Dizia de Levett: É pobre e honrado, o que já é suficiente recomendação para Johnson. Agora é pobre de honra, e isto lhe assegura a proteção de Johnson. A indigência era o passaporte para o coração de Johnson.

Boswell conta esta anedota de Johnson: Quando voltava uma vez a tarde para casa se encontrou com uma pobre mulher tirada da rua, tão esgotada que não podia nem falar. A encontrou caída e a levou para sua casa, onde descobriu que era uma destas pobres mulheres que haviam caído no vício, na pobreza e  na enfermidade. Em vez de tratá-la rudemente, teve o cuidado de cuidar por um longo tempo com toda ternura, e por um preço considerável até que recuperou a saúde, e fez o possível para dar uma maneira virtuosa de vida. Tudo o que Johnson fez àquela mulher não o fez num sentido de publicidade mas havia sido seu coração que lhe havia sido impulsionado a ajudar.

Uma das páginas mais preciosas da história da lite­ratura é a que nos apresenta Johnson, nos dias de sua pobreza, voltando para casa de madrugada e, a medida que ia passando estressado, deixava algo nas mãos dos pobres e vagabundos que dormiam nas ruas porque não tinham onde repousar. Hawkins nos conta que alguém lhe perguntou como podia ter a casa cheia de vagabundos e de pessoas abandonadas. Johnson respondeu: Se eu não os ajudo, nada se fará; e não se deve perder a necessidade. Aqui temos o dar como é devido, que surge do amor de um coração humano, em que repousa o amor de Deus.

Temos um ditado deste perfeito dar em Jesus Cristo mesmo. Paulo escreveu a seus amigos de Corinto: Com efeito, conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que por causa de vós se fez pobre, embora fosse rico, para vos engrandecer com sua pobreza (2Ct. 8: 9). Nosso dar não deve ser nunca áspero e superior ao resultado do sentimento de dever; a menos que temos que fazê-lo para exaltar nosso ego e prestígio entre as pessoas; deve fluir instintivamente de um coração amante; devemos dar aos outros como Jesus Cristo nos tem dado a Si mesmo a nós[32].

 

Dando com Alegria

Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará. Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria (2Ct. 9: 6 e 7).

É uma lei natural. Se você não planta sementes, não pode ter uma colheita. Se planta apenas algumas sementes, terá apenas uma pe­quena colheita. Se planta muito, pode esperar colher muito.

Paulo está nos dizendo que a mesma lei funciona também na esfe­ra espiritual. Os que são mesquinhos para com Deus e para com os ou­tros podem esperar poucas bênçãos em comparação a outros que são mais generosos. A generosidade é contagiosa, e influenciamos os que estão ao nosso redor, inclusive nossos filhos. Se perceberem que somos pães-duros, a tendência deles será crescer pães-duros e mesquinhos. O que semeamos e como semeamos produz seus efeitos à medida que nos­sa influência irradia através do espaço e do tempo.

Deus não quer apenas que demos secretamente, mas quer que contribuamos com alegria. Uma de minhas histórias bíblicas favoritas sobre dar com alegria é a história da viúva que depositou duas pequenas moedas no tesouro do templo. O valor monetário de sua oferta era extremamente pequeno, contudo Jesus, chamando os Seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes so­brava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento. (Mc. 12: 43 e 44).

Sua oferta foi reconhecida no Céu porque seu coração estava ne­la. Ela era uma pessoa que dava com alegria. Isto é o que Deus quer de cada um de nós. Ele quer que contribuamos de coração. Mais impor­tante do que a quantidade é o espírito com que damos nossas ofertas.

O próprio propósito de dar é tornar-nos mais semelhantes a Deus, o Pai, e Jesus, o Filho, os quais deram de Si para que fôssemos aben­çoados, tanto neste mundo como no mundo por vir. Deus deseja que eu dê com alegria[33].

 

LEITURA ADICIONAL

A Verdadeira Motivação

Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles (Mt. 6: 1).

As palavras de Cristo no monte eram uma expressão daquilo que fora o mudo ensino de Sua vida, mas que o povo deixara de compreender. Eles não entendiam como, tendo tão grande poder, Ele não buscava empregá-lo em garantir-Se aquilo que reputavam o maior bem. Seu espírito, motivos e métodos eram opostos aos de Jesus. Conquanto pretendessem ser muito zelosos da honra da lei, sua própria glória era o verdadeiro objetivo que buscavam; e Cristo queria tornar-lhes isto manifesto que o amante de si mesmo é um transgressor da lei. 

Os princípios nutridos pelos fariseus, porém, são os que formam as características da humanidade em todos os séculos. O espírito de farisaísmo é o espírito da natureza humana; e, quando o Salvador mostrou o contraste entre Seu próprio espírito e métodos e os dos rabis, Seu ensino se aplicava igualmente ao povo de todos os tempos. 

Nos dias de Cristo, os fariseus procuravam continuamente conseguir o favor do Céu a fim de obter honra e prosperidade mundanas, as quais consideravam como sendo a recompensa da virtude. Ostentavam ao mesmo tempo seus atos de caridade diante do povo com o intuito de atrair-lhes a atenção, e adquirir reputação de santidade. 

Jesus lhes censurou a ostentação, dizendo que Deus não reconhece um serviço como esse, e que a lisonja e a admiração do povo, as quais tão ansiosamente buscavam, seriam a única recompensa que haviam de ter. 

Quando tu deres esmola, disse Ele, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada ocultamente, e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente (Mt. 6: 3 e 4)

Com essas palavras Jesus não ensinou que os atos de bondade devem ser sempre conservados em segredo. Paulo, o apóstolo, escrevendo inspirado pelo Espírito Santo, não oculta o generoso sacrifício dos cristãos macedônios, mas fala da graça por Cristo neles operada, de maneira que outros foram possuídos do mesmo espírito. Ele também escreveu à igreja de Corinto, dizendo: Vosso zelo tem estimulado muitos (2Cr. 9: 2)

As próprias palavras de Cristo esclarecem Sua intenção, que nos atos de caridade o objetivo não deve ser atrair louvor e honra dos homens. A verdadeira piedade nunca promove um esforço para ostentação. Os que desejam palavras de elogio e lisonja, delas se nutrindo como de um bocado delicioso, são cristãos apenas de nome. 

Por meio de suas boas obras devem os seguidores de Cristo trazer glória, não para si mesmos, mas para Aquele mediante cuja graça e poder eles operaram. É por meio do Espírito Santo que toda boa obra é efetuada, e o Espírito é dado para glorificar, não o recebedor, mas o Doador. Quando a luz de Cristo brilha na alma, os lábios se encherão de louvor e ação de graças a Deus. Vossas orações, o cumprimento de vossos deveres, vossa beneficência, vossa abnegação, não serão o tema de vossos pensamentos ou conversação. Jesus será engrandecido, o eu oculto, e Cristo aparecerá como tudo em todos. 

Cumpre-nos dar em sinceridade, não para fazer ostentação de nossas boas ações, mas por piedade e amor para com os sofredores. A sinceridade de desígnio, a verdadeira bondade de coração, eis o motivo a que o Céu dá valor. A alma sincera em seu amor, que põe todo o coração em sua devoção, Deus considera mais preciosa que as barras de ouro de Ofir. 

Não devemos pensar na recompensa, mas no serviço; todavia a bondade manifestada nesse espírito não deixará de ter o seu galardão. Teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente (Mt. 6: 4). Conquanto seja verdade que Deus mesmo é o nosso grande Galardão, que abrange todos os outros, a alma só O recebe e frui à medida que se Lhe assemelha no caráter. Unicamente os semelhantes se podem apreciar. É à medida que nos entregamos a Deus para o serviço da humanidade, que Ele Se nos dá. 

Ninguém pode dar em seu coração e vida lugar para a corrente da bênção de Deus fluir em direção a outros, sem que receba em si mesmo uma preciosa recompensa. As encostas de montanhas e as planícies que oferecem caminho às correntes montesinas para chegarem ao mar, nenhum prejuízo sofrem com isso. O que dão lhes é centuplicadamente retribuído. Pois a corrente que passa cantando em sua marcha, deixa após si dádivas de verduras e de frutas. A relva a sua margem tem mais vivo verdor, as árvores mais opulência de cores, as flores são mais abundantes. Quando o solo jaz despido e escuro sob o ressecante calor do Sol, uma linha verdejante indica o curso do rio; e a planície que abre o seio para conduzir o tesouro da montanha ao mar, encontra-se viçosa e revestida de beleza - testemunha da recompensa que a graça de Deus comunica a todos os que se entregam como condutos a fim de ela poder fluir ao mundo. 

Tal é a bênção daqueles que mostram misericórdia aos pobres. Diz o profeta Isaías: Não é também que repartas o teu pão com o faminto e recolhas em casa os pobres desterrados? E, vendo o nu, o cubras e não te escondas daquele que é da tua carne? Então, romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará. ... E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares secos;... E serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas nunca faltam (Is. 58: 7, 8 e 11)

A obra de beneficência é duas vezes bendita. Enquanto aquele que dá ao necessitado beneficia a outros, é ele próprio beneficiado em medida ainda maior. A graça de Cristo no coração desenvolve traços de caráter opostos ao egoísmo, traços que refinarão, enobrecerão e enriquecerão a vida. Atos de bondade praticados em segredo ligarão corações entre si, unindo os mais estreitamente ao coração Daquele de quem provém todo generoso impulso. As pequeninas atenções, os pequenos atos de amor e sacrifício, os quais exalam da vida tão suavemente como o aroma se desprende da flor, constituem parte importante das bênçãos e felicidade da vida. E verificar-se-á por fim que a negação do próprio eu para o bem e a felicidade dos outros, embora humilde e não louvada aqui, é reconhecida no Céu como o sinal de nossa união com Ele, o Rei da glória, que era rico, e, contudo Se tornou pobre por amor de nós. 

Os atos de bondade podem ser praticados em oculto, mas não se podem esconder os resultados sobre o caráter do que os pratica. Se, como seguidores de Cristo, trabalhamos com sincero interesse, o coração achar-se-á em íntima correspondência com Deus, e o Seu Espírito, operando em nosso espírito, despertará, em resposta ao divino toque, às sagradas harmonias da alma. 

Aquele que dá crescentes talentos aos que sabiamente desenvolveram os dons que lhes foram confiados agrada-Se de reconhecer o serviço de Seu povo crente no Amado, mediante cuja graça e força eles agiram. Aqueles que houverem buscado o desenvolvimento e a perfeição do caráter cristão mediante o exercício de suas faculdades em boas obras hão de, no mundo por vir, ceifar aquilo que semearam. A obra iniciada na Terra há de atingir sua consumação naquela vida mais elevada e santa que se perpetuará por toda a eternidade[34].



[1] Comentário ao Novo Testamento, Willian Barclay, Mateus, vol. 1, pp. 207 a 214.

[2] CBASD, vol. 5, p. 334.

[3] O Desejado de Todas as Nações, Ellen Gold White, CPB, pp. 278 e 279.

[4] BJ, p. 1848.

[5] CBASD, vol. 5, p. 334.

[6] CBASD, vol. 5, p. 334.

[7] CBASD, vol. 5, p. 334.

[8] CBASD, vol. 5, p. 334.

[9] Comentário ao Novo Testamento, Willian Barclay, Mateus, vol. 1, pp. 214 a 216.

[10] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 180.

[11] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 181.

[12] CBASD, vol. 5, p. 334.

[13] BJ, p. 1848.

[14] CBASD, vol. 5, p. 334.

[15] CBASD, vol. 5, pp. 334 e 335.

[16] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 182.

[17] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 183.

[18] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 184.

[19] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 185.

[20] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 186.

[21] CBASD, vol. 1, pp. 634 e 635.

[22] CBASD, vol. 1, p. 826.

[23] CBASD, vol. 1, p. 826.

[24] CBASD, vol. 1, p. 1.019.

[25] CBASD, vol. 1, p. 1.019.

[26] CBASD, vol. 5, p. 335.

[27] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 187.

[28] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 188.

[29] CBASD, vol. 5, p. 335.

[30] CBASD, vol. 5, p. 335.

[31] CBASD, vol. 5, p. 335.

[32] Comentário ao Novo Testamento, Willian Barclay, Mateus, vol. 1, pp. 216 a 220.

[33] Caminhando com Jesus, no Monte das Bem Aventuranças, MM 2.001, George Knight, p. 189.

[34] O Maior Discurso de Cristo, Ellen Gold White, CPB, pp. 79 a 83.